Estou
ali no hospital e toca o apito no telefone portátil. Era o Zé me
“inscrevendo” pela enésima vez em grupo de amigos da rede social
mais recente, o whatsapp. Era
de tarde, como dizemos por aqui. Deixei-me ficar. Como frisei, já me
empurraram goela abaixo o referido grupo pelo menos meia dúzia de
vezes e pelo menos meia dúzia de vezes expulsei-me a mim mesmo dele.
Parece
que são mais de setenta pessoas no tal grupo. Dali a pouco começa,
como uma chuva de meteoros (jamais vi ou estive em meio a uma chuva
de meteoros), um troca-troca de mensagens sobre vários temas, vários
“assuntos”. Iam e vinham
fotografias, charges, desenhos, anedotas, dizeres, frases famosas de
famosos autores ou personalidades; orações, convocações, pessoas
agendando entre si encontros de negócios, gente agradecendo favores,
fotografias do Papa,
desejos de boa semana, de boa tarde, de boa noite...
O
diabo é que foi-se há muito o tempo em que eu queria aparecer.
Falando a verdade e sendo bem honesto, não me lembra o tal tempo e
concluo sem demora que para
mim jamais houve
tal tempo. Dirão que não
sou tímido, que nunca
o fui, e será verdade. Mas não ser tímido não significa ser
enxerido, ou exibido. Ora, se em mais jovem não sentia
a necessidade, não seria
agora. Todos sabem, a juventude é viçosa, as carnes são rijas, a
pele é
lisa exceto pelos comedões, as
acnes,
sem esquecer os furúnculos das estafilococcias; os cabelos são
fartos e, mesmo que sejam “ruins”, a acomia e a calvície
estão longe de preocupar o mancebo cuja testosterona poreja no suor
durante as peladas em terrenos baldios (Hoje não há mais o terreno
baldio e, se houver algum como remanescente, prudente é evitá-lo –
os amores-de-burro deram lugar ao criminoso sem idade.) O
desejo de aparecer, de ser visto e notado é, então, a grande
tentação do jovem.
Hoje, com o advento da rede social,
aparecer não é uma opção – é a regra. E não somente o jovem;
mesmo o homem e a mulher de meia idade querem, precisam, anelam
aparecer. Para ser franco, mesmo as pessoas de idade mais avançada
já se permitem incursões frequentes nas redes sociais. Assim, nas
redes sociais há que se aparecer, sob pena do esquecimento e da
morte em vida.
Estava a falar de mim e volto a falar
de mim. É quase um mea culpa. Dito assim, parece que se tem
culpa de estar na rede social, contribuindo com sua liquidez de
temas. Mas explico. Há, de fato, culpa por se estar na rede social.
Vejam o meu caso. Logo que comecei a participar dessas salas virtuais
– diz o meu amigo Siqueira que a rede social é a calçada de
antigamente –, imaginei para mim uma China inteira de amigos e de
leitores. Esses amigos leriam meus textos e me aplaudiriam de pé; os
elogios a meus escritos viriam de todos os lados e até de outros
países distantes; teria entre meus amigos pessoas que não conhecia
pessoalmente, mas que em pouco tempo dividiriam comigo concordâncias
e discordâncias pacíficas; enfim, abria-se para todos um leque de
possibilidades inimagináveis até então.
Nada é mais pedagógico do que a
experiência. Não demorou e descobri que havia, nessas salas
virtuais, um ódio contido somente pelo silêncio de uns poucos
sábios. Na maioria das vezes estava lá a querela, o insulto, o
rude diálogo entre desconhecidos que já se manifestavam abertamente
ao ataque. Com mais um pouco percebi que aquela China de “amigos”
era consequência não de um amor fraternal, mas da coletiva
necessidade de uma associação doentia, uma espécie de efeito
manada onde o não participante era levado a se sentir excluído de
algo que seria, a princípio, importante. Foi quando comecei a
perceber a grande tristeza do homem ativo na rede social, do homem
“tecnológico”, do homem “antenado”, do homem “popular” –
a perda da intimidade de seus pensamentos, de suas ideias e de si
mesmo. Nem falo da intimidade familiar e da vida social – sim!,
mesmo na vida social há que se ter a privacidade preservada e
salvaguardada dos olhares sequiosos da malta desconhecida. A
intimidade, aquele tranquilo e aconchegante lugar onde se está
consigo mesmo, na paz das diárias, palpitantes e invioláveis
reflexões pessoais que se dividem somente com as mais cúmplices
pessoas de nossa fugaz e exígua existência, deixou de ser visitada,
deixou de existir; dela esqueceram-se, senão todos, a maioria de
nós.
Não se agastem comigo os amados
amigos da virtualidade atual, os mesmos amigos de uma realidade
passada, um tempo de fantasias e sonhos onde a vida transpirava uma
eternidade bem possível e singela, em que a crueldade do mundo já
sutilmente se apresenta em pequenos futuros maus caracteres e nas
tragédias diuturnas da vida humana. Peço que entendam a minha
necessidade de meu silêncio interior, lugar onde escuto o sussurrar
de minha essência e, talvez, a voz de Deus. Mesmo um silencioso
whatsapp grita em demasia quanto mais tenha dizeres,
fotografias, desenhos, quotes, curtas-metragens, opiniões,
filminhos eróticos, saudações sinceras, desejos de boas festas ou
de feliz aniversário, links, novas da crise e das negociatas
brasilienses, orações fervorosas, anedotas espirituosas e o
que quer objetive nos aproximar. Tudo é muito bom, dizem. Pois lhes
digo que nem tanto, nem tanto...
A ideia de que o ser humano precisa
de mais e mais informações é nefasta. Elas me agridem, me afastam
de mim mesmo e de quem amo. Não preciso de mais informações –
preciso, sim, viver. Estamos melhor na memória dos fraternos amigos
do passado do que em sua virtualidade atual. O desejo de aparecer
tornou-se a necessidade imperiosa da reserva e do comedimento. O gozo
da intimidade é sublime, ao passo que a autoexposição só causa
remorso e arrependimento por nos conduzir pelo caminho da
intemperança e da verborreia inconsequente.
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