A marcação de pista é traçada ao longo do pavimento da piscina em cada raia. E vede como é esquisito o que sucede a ela. Quando nenhum nadador está a usar a piscina, suas águas permanecem calmas e sua superfície assemelha-se a um espelho plano. Se nenhum vento estiver a soprar, mais quietas ainda ficam as águas e mais plana sua superfície. Nesse estado, olhando em sua profundidade através das águas, podemos ver a marcação de pista em cada raia, uma linha reta escura desenhada ao chão. Se, entretanto, agita-se a água, a marcação de pista de retilínea passa a mover-se como um réptil a rastejar ao solo, envergando-se e contorcendo-se em curvas e serpenteados, ziguezagueando tanto mais freneticamente quanto maior a inquietação das águas. Esvaziando-se todo o conteúdo do tanque olímpico ver-se-á que aquela linha escura desenhada ao seu fundo é, de fato, fixamente e permanentemente imóvel; é ladrilho de cor negra construído em linha reta ao longo de seu maior eixo; não está sujeito ao movimento das águas.
Conclui-se que o que vemos é pura ilusão visual. Se as águas não movem os negros azulejos, o que os faz parecer mover-se? A física da luz explica que ela sofre alteração da direção e da velocidade ao se alterar o meio onde se propaga. Assim, é provável que a luz que chega aos olhos do observador que está a contemplar o fundo da piscina de águas revoltas venha alterada em sua direção e velocidade e cause a percepção óptica de movimento do objeto refletido. Quem está em movimento é o meio onde ela se propaga. Eis aí toda a explicação do fenômeno.
Eu observava aquela visão enganadora e pensava de mim para mim – será possível que outras ilusões nos afetem os sentidos tão perfeitamente quanto aquela? A imagem qu'eu via não era real, eu sabia; mas eu a via. Os sentidos são sensores por onde nos entram as informações do e sobre o meio ambiente que nos cerca. As sensações que se sentem são informações que chegam ao cérebro, e não dependem da vontade. Queira-se ou não elas são percebidas, exceto por estados mórbidos que alterem a função dos órgãos dos sentidos. Presumindo-os normais, a informação é fidedigna. A informação sobre a marcação de pista ziguezagueante era fidedigna, embora não traduzisse a realidade. Em outras palavras, era fidedigna mas não real, donde se conclui que a informação trazida pela luz que chega aos olhos daquele desocupado observador era uma informação influenciada pelas características da própria luz.
Eis que ontem, num desses rompantes que impelem o desavisado de volta às razões de seus males, abro o jornal e me deparo com artigo escrito por meu querido amigo Mauro Oliveira, ex-diretor do IFCE e PhD em Informática, intitulado "O 'Kamarada' e os camaradas" (http://www.opovo.com.br/app/opovo/opiniao/2012/06/26/noticiasjornalopiniao,2866315/o-kamarada-e-os-camaradas.shtml). Já me delonguei em demasia e irei direto ao ponto.
O "Kamarada" a quem o querido amigo se refere no artigo é o senhor Lula, ex-presidente da república, ao passo que "os camaradas" seriam seus asseclas e correligionários. Diz lá ele o seguinte, após tecer loas e madrigais à origem humilde do ex-presidente e seus supostos vultosos feitos à frente do Executivo da Nação: "O tempo passa. E ficamos nós, voluntários de outrora, constrangidos com uma tal de 'flexibilização', uma perigosa zona cinzenta entre o ético e o amoral praticado por certos camaradas do 'Kamarada'”. E se justifica: "O abraço recente entre Lula e Maluf, o imoral, nos distancia do Brasil de Freire. Faz-nos sentir na 'república de Nicolau' onde os fins justificam os meios." O Brasil de Freire é o idealizado e anelado por Gilberto Freire – um Brasil melhor para os pobres, em suma, ao passo que na "república de Nicolau" estaria o senhor Lula a ler na cartilha do que ensina o Maquiavel em seu "O Príncipe". Lá os fins justificariam os meios.
Finaliza meu amigo seu artigo com um verdadeiro apelo ao "Kamarada"; pede ele: "O 'Kamarada' fica a nos dever essa... para não o confundirmos com alguns de seus camaradas!"
O irônico é que na mesma edição do jornal onde o amigo escreveu seu artigo está uma matéria (http://www.opovo.com.br/app/opovo/politica/2012/06/26/noticiasjornalpolitica,2866190/lula-diz-nao-se-arrepender-de-ter-feito-alianca-com-maluf.shtml) que diz em seus meandros: "O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou não se arrepender 'nem um pouco' da aliança eleitoral costurada com o deputado Paulo Maluf (PP-SP) em torno da candidatura do petista Fernando Haddad". Parece que, de fato, o senhor Lula lê mesmo na cartilha de Nicolau Maquiavel e, se bem me lembro, certa vez publicaram na imprensa golpista uma fotografia de Sua Excelência o então presidente da república sentado à sua mesa de trabalho onde repousava um exemplar do famoso livro daquele autor.
Tão logo li ambas as matérias saquei do telefone portátil e escrevi uma mensagem ao amigo; disse-lhe: "Querido Mauro, poupaste em demasia o senhor Lula. Custa-me acreditar que julgues que ele nos deve 'apenas' essa! Deve-nos muito mais, de mensalões a outros escândalos. A aliança com Maluf é apenas mais um. Ou achas que só agora, serodiamente, nos apunhalou? Comentarei em meu blog teu texto. Forte abraço do amigo que te admira".
Aqui estou a cumprir a palavra. Todo o preâmbulo sobre a ilusão há de ter um lugar no que parece ser o início da desilusão de meu amigo. Como a linha bruxuleante ilusória, Lula nos passa a informação fidedigna; muitos é que estão demorando a ver a sua irrealidade.
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