Ainda agora – estou horrorizado – me espanta e me entristece o que acabo de ver e saber.
Primeiramente, soube de uma espécie de arrastão no centro da cidade; pouco depois, alguns minutos apenas, vi, na rede social, outro. Era um arrastão "verbal", um arrastão do deboche, um arrastão do menosprezo. O do Centro, pelo que soube, foi um arrastão da violência, desses que até então somente bandidos praticavam.
Refiro-me, ao que parece, a um fato ocorrido; ao que parece, um fato ocorrido há pouco; ao que parece, um fato ocorrido n'algum campo de futebol desta decadente cidade. Repeti "ao que parece" várias vezes porque posso estar completamente equivocado – o que me parece pouco provável, ainda que seja um telespectador bissexto dos noticiários televisivos. O que me parece é que o Fortaleza Esporte Clube, time de futebol da capital, perdeu, dentro de seus próprios muros, uma partida imperdível, o que o faz permanecer na terceira divisão do campeonato brasileiro de futebol. Eis o fato-pivô de toda a loucura.
Diria, em resumo, que espalhou-se na cidade se Fortaleza, e em seu espaço virtual, uma onda de violência e uma onda de alegria debochada. A violência foi proporcionada por frustrados torcedores do Fortaleza; a alegria debochada e virtual foi alimentada por torcedores do arquirrival time do Ceará. Devo ressaltar que apenas presumo que a alegria tenha sido virtual. Ela bem pode ter sido real e, agora, acabo de lembrar-me da passagem de carros tocando buzinas e motores roncantes e barulhentos, provavelmente torcedores do Ceará felicíssimos com o fracasso tricolor.
Não dou conta da violência sem rosto; ela me indigna da mesma maneira fria que indignou Rubem Braga – ou terá sido o Rubem Alves?. O homem solitário tende à virtude completa, ao passo que sua associação tende a torná-lo monstro mascarado. Quem quer que tenha participado dos atos de vandalismo, ela, esta pessoa, não existe. Ela não é uma pessoa. Ela é uma turba, uma súcia, uma malta. Assim como na guerra não há o assassino, na choldra não há identidade, não há o José, o Francisco, o Manoel... Ainda que na atualidade se pretenda a gravação que revele as faces, os atos, as culpas e inocências, ainda estamos vivendo a era do canalha sem rosto. Ele tem família, filhos, paga as contas e vai ao trabalho.
O mesmo não se pode dizer do gozador virtual. Aqui faço uma pausa para explicar que a gozação sempre existiu no esporte, qualquer esporte, e principalmente no futebol. Antigamente se gozava o perdedor; os torcedores do arquirrival sempre que podiam gozavam seus adversários com uma boa dose de humor inteligente e, arrisco dizer, apaziguador. (Lembra-me a época em que o Corinthians passou vinte e tantos anos sem ganhar um mísero campeonato. Os próprios corintianos gozavam-se entre si, e o Jô Soares até criou um quadro do torcedor alvinegro que chorava dizendo: -"Corinthians!... esse time só me dá alegria..."!)
Não foi o que vi hoje à rede social. O que lá vi hoje foi a vontade de morte, a morte do outro, a morte simbólica e a morte real, aquela que proporciona a aniquilação e o sumiço. Sei, sei, alguém dirá que exagero, que não é bem assim, que não é nada disso. Dir-se-á; mas o que se diz, se diz; não há como ter certeza da completa semântica de uma frase, de um muxoxo, de uma entonação.
Pois eu digo que, sim, o que se queria hoje era a uma espécie de vingança; o que se queria e se bradava era o prazer mórbido na derrota alheia, coisa que antigamente não existia. Antigamente se torcia por um time de futebol, e ponto final. Hoje não. Ficou bastante claro, na rede social, que o torcedor, hoje, torce para a frente e para trás; ele torce não somente pelo time que ama, mas também torce com toda a força de seu ódio para que o time rival vá de mal a pior. Hoje não basta amar; também é premente odiar.
O pior foi ver amados e queridos amigos destilar seu sinistro prazer; homens esclarecidos, honrados, íntegros, pais de família, profissionais sérios e competentes fazendo o coro que denunciava seu sentimento menor. Sei, sei; alguém novamente dirá que exagero, que nada entendi, que estou a esticar a baladeira, etc. etc. Pois vos garanto: nada está mais distante da verdade. O que vi está visto e também estampado na rede social. Quem quiser poderá constatar o que afirmo. É fato, e contra fatos não há argumentos.
Vê-se, então, que há o vândalo sem rosto nas ruas e o com fuças bem à mostra na rede social, fazendo absoluta questão de ser visto, identificado, e qualificado. Não teme nem temerá essa crítica porquanto, em sua opinião, o tolo sou eu mesmo e não ele. Sou eu quem está perdendo a emoção dos estádios, das torcidas, do gol pró e do contra, enfim, tudo o suposto de bom que tem esse admirável e apaixonante esporte que é o futebol.
A conclusão a que chego, não a primeira vez, mas já a segunda (http://umhomemdescarrado.blogspot.com.br/2011/02/torco-por-quem-ganha.html), é que o futebol se aviltou dentro e fora do gramado. Contra a minha opinião – que duvido seja apenas uma opinião – estarão todos os "guerreiros" da tarde-noite de ontem, os reais e os virtuais, todos uníssonos a bradar apupos e xingamentos também contra mim e minha opinião. Esta baseia-se em fatos; a deles não, já que sua paixão os cegou faz tempo. Eles não têm opinião – são opiniosos.
Não dou a mínima; cada qual com seu cada qual.
Nenhum comentário:
Postar um comentário