Um amigo, que se diz espírita, sofre. E como sofre!... Sofre por ser. Se não fosse, não sofreria. Mas é, disso não há a menor dúvida. E por isso sofre.
(Percebo certa ambigüidade em minhas palavras, e incontinenti imploro a que não pensem mal quando digo que o amigo é. O que ele é é o que o faz sofrer, se ainda há quem não entendeu. Percebem?)
E o que é ele? Bem... Diria que é daquelas pessoas que carrega uma enorme e pesadíssima tralha às costas. (Tal figura de linguagem há de expressar o que quero.) Sua tralha pesa tanto hoje quanto pesava há, digamos, vinte ou trinta anos. Talvez mais. Pensando melhor, talvez pese mais. O peso de uma tralha é tanto maior quanto menor for a estrutura que a sustenta, ou que a suporta, ou sobre a qual ela se apóia. E a velhice – eu ia dizer maturidade – a velhice pressupõe uma fragilização do ser, pelo menos em algum aspecto.
Diria que a velhice havia de ser a fase em que a degeneração física seria diretamente proporcional à plenitude da sabedoria. Seria o ideal, mas não é o que ocorre, com elevada freqüência. Comumente a velhice, notadamente em nosso meio onde o vitimizar-se é lugar-comum, vem acompanhada – ou não! – do reconhecimento pelo próprio ser de sua degeneração afetiva, emocional, psíquica e mental. Daí o pesar maior da tralha à essa época da vida, quando ainda se a carrega.
Entretanto, nada disso preocupa tal ser. Por ser espírita, e aqui não há juízo de valor, o amigo está plenamente convencido de que largará sua tralha ao longo do caminho do "aperfeiçoamento espiritual" que o aguarda. É certo que em subseqüentes "encarnações" kardecquianas atinja seu "Nirvana" gautamiano. Em suma, às favas a vida atual! às favas o momento presente! Deixemos a resolução de suas razões de sofrer para o futuro, na próxima vida, em sua próxima "encarnação".
Assim, recolhe-se o amigo a seu casulo; encolhe-se o amigo, como ele mesmo costuma dizer, em seu "cantinho"; tudo na aparência de uma morte simbólica. O resultado, presumo, é que deve haver – é ele quem o sabe – alívio de sua dor e mitigação de seu sofrer.
O diacho é que iniciei dizendo que o homem, o amigo, sofre! E se sofre é porque não mitigou dor nenhuma! Eis aí o que sucede. (Note-se que seguimos uma rota que acabou por se tornar numa espécie de silogismo.) Seria lícito supor que o sofrimento do amigo não é lá esse sofrimento todo, uma vez que o tolera por toda uma vida, enquanto não vem a outra. Ou, por outro lado, a fé do homem é de ferro, o que o faz suportar a duras penas tamanho sofrimento. Não importa.
Seja uma ou outra possibilidade, estaremos diante de um caso único de masoquismo consciente e declarado. A doutrina que o amigo abraçou devia adotar como "pecado" qualquer tipo de procrastinação como a que ele julga ser de seu direito. É um desperdício de tempo. E de vida - há quem gostasse de viver bem a vida que o amigo insiste em mal viver. E fim de papo.
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