Outro dia um amigo me relatou episódios de sua vida
particular que me deixaram impressionadíssimo. Na verdade, queixava-se.
Reclamava mais do que jumento embarcado. Não estava nadinha satisfeito com a
namorada. Ela o tratava como a um pano de chão. Já estava a sentir-se desfiado,
gasto, descolorido, encardido como um pano de chão. Cheirava a QuiBoa, segundo
ele mesmo.
Chamava-o de curubal. Imagine! Curubal! Qualquer coisa era motivo para essas desfeitas. Podia estar onde estivesse, na presença de qualquer um, quantos fossem a observar, era a mesma coisa:
–“Curubal”!
A pequena tivera um namorado em cidade próxima, uma capital vizinha. Sujeito alto, moreno, forte, olhos verdes, um deus grego tupiniquim. Era a descrição feita por ela própria. O homem gostava de farras, noitadas, festas e diversões. Nada de trabalho, responsabilidades, enfim, um borra-botas. Leitura, só de gibi. Artes? Só a de amar. Resumindo: uma quimera feminina do mundo pós-moderno. Coisa de louco!
Contudo, jovem, bonita, estudiosa, bem empregada, passou a ter acessos de orgulho de matrona. Não era da estirpe que se presta a sustentar latagões desocupados. Merecia homem com pedigree, de genealogia honrada, faltoso como qualquer outro, mas de índole nobre. Aquela situação não podia continuar. Precisava botar ponto final naquela mazela.
Esbarrava, não obstante, em grave problema de ordem, digamos, biológica. Alguns diriam um problema “de pele”: o cabra era, além de tudo, muito gostoso, um vício. E essas coisas, nós sabemos, não se resolvem. Nunca é possível resolver. Como se diz por aí – é mais fácil o mar secar.
É justo neste ponto desta trágica história que aparece o nosso Amorim. Dirão os mais afoitos:
–“Entrou de gaiato”!
E direi que não é o caso. Sim, seguramente não é o caso,
repito. Amorim a conheceu. O que ele viu nela, ela não viu nele. Eis aí tudo.
Ele foi muitíssimo gentil e prestativo. Deu-lhe a mão em situação difícil. Foi
quase um pai.
E o que aconteceu? Ora, todos sabem que Amorim é aquele sujeito honesto, trabalhador, independente – um guerreiro, segundo ele mesmo – e tudo o mais que uma mulher possa apreciar em um homem. Tudo bem, tudo bem, não se compara ao deus de carne que a namorada amava, mas um espírito elevado. Amorim gamou, caiu de quatro. Apaixonadíssimo. Mais atencioso que gerente de hotel cinco estrelas. Arriado. Essa, então, era sua situação.
Acontece que – como disse o sábio dos sábios – o espírito está pronto, mas a carne é fraca. A namorada estava em presença com o nosso amigo, mas as carnes e o espírito clamavam pelo morenão. Talvez ela culpasse Amorim pelos olhos castanhos, ou pelo seu metro e sessenta, ou ainda por outras medidas mais, quem sabe? E a partir daí começaram os maus tratos. Mensais. Semanais. Diários. Amorim levava uma baita sola.
Lembro-me do amigo ao início de seu romance: alegre, dono de si, conquistador, encantado de si mesmo. Outras fêmeas arrastavam-lhe a asa. Hoje um farrapo, quiçá um pano de chão. Ninguém mais olha para ele com olhos de desejo. Não brilha mais a sua luz, ofuscado pela aura de certo garanhão olhos cor de esmeralda; derrotado pelo desejo que consome a carne; apagado pelo sopro de um gemido de gozo interminável...
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