Confesso: procurei exaustivamente – escrutinando
currículos, histórias e estórias – um candidato a prefeito que preenchesse
aquilo que considero o mínimo necessário para exercer o cargo. Ora, mas quem
sou eu? Nada sou, eis a verdade. Sou apenas mais um mísero eleitor em meio a
esse caos de ideias e de pretensões individuais e, quem sabe, de pretensões
coletivas.
Confesso ainda mais: não assisto à propaganda
política de nenhuma espécie. Perguntar-me-ão, então, como teria sido essa
procura. Diria que me utilizo, principalmente, dos fatos e da intuição nesta
penosa busca. Haverá alguém que dirá que a intuição não é uma boa conselheira,
ou que a intuição não se vale de dados concretos, ou o que quer que seja que
tente diminuí-la como ferramenta de escolha e decisão. Alguém já disse, acho
que um financista, que “a intuição é, na verdade, um monte de conhecimento
acumulado que fica escondido”. Então, eis aí tudo: utilizo-me do conhecimento
escondido que tenho. (Se bem me lembro, disse também o financista que esse
conhecimento nos fica escondido no subconsciente, ou onde quer que nos caiba na
mente, ou sabe-se lá onde. Entretanto, não há que duvidar – ele está lá.)
Ainda assim, não nos prendamos tanto a ela.
Fiquemos com os fatos contra os quais, como diz o chavão, não há argumentos. Há
contra os fatos apenas uma, e somente uma, inconveniência – sua abundância.
Sim, abundam os malditos fatos. São tantos, e tantos, e tantos que quase
desisto de continuar. Escolhamos, assim, uns poucos deles para seguir nessa
tentativa de explicar meus critérios na procura deste ser etéreo que é o
candidato a político. (Notem que alguns candidatos, a maioria quero crer, já
são políticos, ao passo que outros estão se candidatando precisamente a isto – a
ser político. Este último estará se aventurando pela primeira vez. Evitemos entrar
a falar do que dizia Aristóteles sobre ser o homem um animal eminentemente político,
que a coisa pode ficar muito complicada.)
Há, nesta cidade, uma penca de fatos... ou melhor,
uma penca de absurdos a vicejar em seu dia-a-dia e que passaram ao largo das
discussões e discursos dos senhores candidatos a prefeito. Por exemplo, a
ocupação diária indiscriminada e criminosa dos espaços
públicos por vendedores ambulantes; por exemplo, o caos no trânsito ocasionado
por motoristas e motociclistas que minuto a minuto fazem das ruas
estacionamentos ou praças de guerra onde a lei do trânsito não vigora,
simplesmente não vigora; por exemplo, a realização semanal e criminosa de
feiras públicas que obstruem ruas, avenidas, praças e qualquer logradouro que
se preste a espaço de negociação e vendas, como verdadeiras lojas a céu aberto.
Taxei de criminosas as supracitadas realidades
fortalezenses porque, segundo consta, tais práticas são proibidas por lei
municipal. Corro o risco de passar um atestado de ignorância com esta afirmação
porquanto a lei possa ter sido modificada em tempo recente e isso não ter
chegado ao meu conhecimento. Contudo, afirmo, com certa petulância, que, se tal
ocorreu, estará a nova lei institucionalizando a barbárie e a injustiça
fiscal.
Antigamente havia o rapa. E o que era o rapa? Resposta:
o rapa eram os fiscais da prefeitura que chegavam sorrateiramente para
confiscar os produtos vendidos nas calçadas e nas ruas das cidades, munidos de
completo aparato policial para fazer valer a lei. Estava-se na rua quando, de
repente, ouvia-se o brado inconfundível: –“Olha o rapa!” Era, então, o
pandemônio, uma correria geral com gente arrastando as bancadas e a muamba
pelas ruas secundárias em meio ao povaréu que ia e vinha. Então, pergunto aos
meus raríssimos leitores: – onde, em nome de santo Epitácio, foi parar o rapa?
Novamente respondo: o rapa não existe mais. E o que significa o sumiço do rapa?
Ora, significa exatamente a barbárie e a injustiça para com os comerciantes que
andam dentro da lei. E nem estou a falar das feiras onde se vendem produtos
roubados!
Eis, então, que pergunto: – qual candidato falou sobre
a intenção de fazer cumprir a lei? Repito, não assisti a nenhum debate, a
nenhuma propaganda política no horário reservado na televisão, a nenhum comício.
(Houve comício?) Mas, arrisco sem medo de errar – nenhum deles falou sobre o
tema. E por que não falou? Porque o político brasileiro é um pilantra que só
pensa em sua carreira. E estamos conversados. Ele evita temas “antipopulares” receoso
de perder votos. Ora, há aqui um evidente pacto de mediocridade entre o povo
que detesta a lei e o político que quer se tornar prefeito. As obras conquistam
o povo medíocre enquanto a lei...
Falou-se que iriam melhorar a saúde do município. Vejam
bem – prometeram melhorar a saúde do município! A doença mais prevalente nesta
decadente cidade é a violência. Pois o senhor atual prefeito, candidato à
reeleição, está a erigir um hospital anexo ao maior centro médico de
atendimento ao traumatizado do Nordeste, o Instituto Dr. José Frota (IJF). A violência
grassa solta, célere, incontida, irrefreável... Que se ideou fazer? Outro
hospital, outra obra. Não sei se percebem. O povo talvez veja nisso uma grande
realização, mas... e a violência? Não seria mais barato e mais humano conter a
violência? Parece que não. Está aí o pacto medíocre. E sejamos francos – nenhum
dos candidatos pode fazer algo para conter essa praga que se alastra entre nós.
Digo isso e percebo que estou enganado. Eles podem fazer algo: cobrar com
seriedade das instâncias competentes a que tomem medidas urgentes para tal. Não
cobram. Não querem se indispor com seus comparsas, digo, aliados. Seu discurso
é evasivo quanto ao ponto nevrálgico da questão. Estão lucrando com a violência,
eis a verdade.
Dessa pobre e tendenciosa reflexão lastreada em
fatos gritantes do dia-a-dia de uma cidade miserável cujo povo se vendeu faz
tempo, concluí o inexorável – não há um que preste. Sim, nenhum tem moral,
estão todos vendidos, exatamente como o povo que há de elegê-los. Enquanto isso,
as ruas repletas de bandeiras, as carreatas, os “santinhos”, os debates vazios
que só se prestam a discussões inúteis e infrutíferas, tudo uma encenação patética,
uma pantomima cruel. Educação, escola, emprego, trabalho... sobre tudo se fala,
sobre tudo se promete uma medida salvadora, enquanto não têm coragem de fazer
cumprir uma única e mísera lei, a título de exemplo. Dá para acreditar em
alguma coisa que saia dessa fornalha maldita? Minha intuição me diz que não...
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