Desapareceu o Mesquita. Depois de uma intensa e
ativa presença na rede social, o homem sumiu. Explico.
Ou melhor, não explico. Direi apenas o que todos já
sabem.
Aos dias de hoje a realidade compreende a vida real
e a vida virtual. As coisas acontecem em ambas. Até crimes são iniciados e
perpetrados na rede social. Tudo certo, tudo planejado, o único trabalho do
criminoso é estar na hora e lugar certos para dar o tiro na cara da vítima. Se for
negócio de roubo é mais fácil – tudo se resolve na rede social mesmo. Namoros
nem se fala. Casamentos então...
Pois o
Mesquita fazia dias se apresentava na rede social com um grupo de casais amigos
em farras diárias. Era uma bebedeira medonha e os bebuns se entrelaçavam em
abraços e canções melosas. As senhoras, mulheres esposas daqueles varões,
aparentavam mais bêbadas que seus maridos. A certa altura pareceu que o grupo
de mulheres imitava as chacretes. (Somos do tempo das chacretes, se não sabem.)
Uma das esposas lembrava muito a Verinha Furacão; outra era a cara da Fernanda
Terremoto; já outra seria a Sarita Catatau em carne e osso. Por fim, jurei
estar diante da famosíssima Rita Cadillac. Parecia que estavam em hotel de
praia, desses providos de um deque onde os hóspedes se confraternizam ao ar
livre. O grupo do Mesquita mais do que confraternizava – enchia a cara mesmo.
Foi em fevereiro último, começo de março, não me
recorda bem. Quatro ou cinco dias se seguiram com a pilhéria, com a algazarra,
com o rega-bofe. Os amigos, os que não haviam ido, já se enchiam de inveja por
lá não estarem também. Alguém reivindicou: –“Não me chamaste”! Mesquita teve
tempo de largar de lado o copo extravasando de cachaça para retrucar: –“Eu
convidei”! E enfatizava: –“Prest’enção”!
Passados quatro ou cinco dias, parou a chacota na
rede social. Soubemos, assim, que a marmota chegara ao fim. E foi aí que teve
início o exílio do Mesquita. Não demorou para tudo ficar claro.
Acontecia precisamente o seguinte. Ao início de
março o país tomou consciência da chegada do vírus chinês, justamente ao momento
do término da função em que o Mesquita se metera com os amigos e suas
respectivas chacretes, numa coincidência temporal perfeita. Eis aí tudo. Alguém
dirá: –“Sim, mas... e daí”? Abro um parêntese a fim de contextualizar a
história.
Aos que não se recordam e aos que não conhecem o
Mesquita, direi o seguinte – o homem é um
pouco hipocondríaco. (Bem, não acho
que o homem seja um hipocondríaco nato, já que tem um certo prazer em estar
doente, desde que seja uma doencinha boba, dessas que a cura é certeza.) Relatei
aqui vários e vários episódios de sua vida que permitem a todos que o conhecem
constatar tal aspecto de sua personalidade. Para se ter uma ideia, quero crer
que o homem ainda esteja acometido por uma onicomicose que trata, sem muito
sucesso, há uns... sei lá... vinte anos. O fungo, que está com meu Mesquita há tanto
tempo, já é considerado parte dele, como se fosse um tecido extra na composição
corporal do amigo-irmão. O Mesquita tem, ao contrário de todo ser humano, 5
tipos diferentes de tecidos, que são o epitelial, o conjuntivo, o muscular, o
nervoso e, em seu caso especial mais um, o tecido micótico. Vejam que o homem é uma espécie de wolverine bebedor de
um copo de liquidificador matinal, de mutante devorador compulsivo de uma baguette française inteira, ou de um ser
involuntariamente simbiotizado e perfeitamente
adaptado a seu novo estado. (Sim, outra característica do Mesquita é o apetite
voraz. Sempre foi assim, mas “piorou” após a tal simbiose aparentemente definitiva.
A suspeita é que seu tecido micótico
tenha elevado metabolismo necessitando, assim, de calorias extras. A prova
cabal do que falo é que o homem nada engorda, a despeito da elevada ingesta de
calorias e nutrientes.) É verdade também que o homem fez várias tentativas de
matar o bicho, como disse antes. Contudo, como resistisse às doses mortais dos
antifúngicos administrados, Mesquita concluiu, ao contrário do que pensou ao
início, ser este mais um bichinho de estimação, uma espécie de dádiva ou de
marca personalizada. Seria uma tatuagem biológica, por assim dizer...
Mas falo, falo, falo e não vou ao ponto. Continuemos.
Com a suspeita de que o vírus chinês já andasse por
essas paragens bem mais cedo do que se supunha, caiu a ficha do Mesquita – ele poderia
ter sido contaminado no agarra-agarra do rebuliço! Sabe-se lá! Eram uns abraços
calorosos, melosos, roçados...! Além disso, era um povo que viaja muito, sabe-se
lá... as suspeitas faziam o homem coçar o queixo de preocupação. Na dúvida, que
fez ele? Sumiu. Até da rede social sumiu. Suspeito que dona Rejane, sua
chacrete, digo, sua esposa, não o encontrasse nem mesmo em seu majestoso e
espaçoso lar. É possível que tenha se trancafiado num de seus inúmeros aposentos
e lá permanecido ninguém sequer suspeita por quanto tempo.
Por fim, vários dias depois, seu silêncio sepulcral
foi interrompido e ele finalmente apareceu para confessar que estivera de
quarentena antes mesmo de a oficial ter sido decretada. De minha parte a
apreensão era tanta que lhe enviei uma mensagem de felicidade: –“Mesquita,
estás bem? Tudo certo contigo e com dona Rejane? E como vai Bolorzinho? Está
bem”? (Bolorzinho é como chamamos sua micosezinha ungueal no dedão do pé
esquerdo, acho...) Depois de garantir que todos estavam bem pedi
encarecidamente que enviasse para nós uma foto sua em seu traje espacial
antivírus chinês.
Ele ficou puto e não me respondeu até hoje.
Sempre um texto bom de se apreciar.
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