Estamos mortos.
Lembro, na faculdade de medicina, um de meus mestres a dizer, mais ou menos textualmente, como é difícil o diagnóstico da morte. Em hipotérmicos mais ainda. Para esses há o sugestivo anexim: você não está morto até que esteja quente e morto.
Será que tanta frialdade nos congelou os corações e mentes? Se assim sucedeu, há, segundo o rifão acima, esperança para nós. Com efeito, se não for a frieza, estaremos mesmo mortos.
Li, reli, re-reli, tresli. Foi o texto do Procurador Geral da República Manoel Pastana. Diz ele ao fim de tudo o que afirma: "Concluo este artigo dizendo que não inventei nada; tenho prova de tudo que afirmo". E o que afirma este senhor em seu sítio virtual na rede mundial de computadores, para quem o quiser ler (http://www.manoelpastana.com.br/), e no artigo "Mensalão: o que poucos sabem, e o Brasil deveria saber" (http://www.manoelpastana.com.br/index.php/noticias/511-mensalao-o-que-poucos-sabem-e-o-brasil-deveria-saber.html)? Diz que o Ministério Público Federal está corroído por uma súcia de procuradores, os tuiuiús. Esses tuiuiús são um grupo de procuradores "afinados" com o PT (partido dos trabalhadores), sendo dois deles os senhores Antônio Fernando e Roberto Gurgel, autores da denúncia do mensalão.
Que fizeram eles, os tuiuiús? Nas palavras de Manoel Pastana, "transformaram a cúpula do MPF (ministério público federal) em propriedade particular". E mais: "Comportam-se como se fossem serenos, equilibrados, justos. Na verdade, praticam verdadeiras atrocidades, seja perseguindo, seja favorecendo". Especificamente, os procuradores citados transformaram o processo do mensalão numa peça jurídica bufa com o objetivo de livrar a cara do ex-presidente Lula, dentre outras, como diz o próprio procurador, "atrocidades".
O senhor Manoel Pastana dá nome a todos os bois e expõe de forma clara e inconfundível os fatos e seus protagonistas. Não há meias palavras, insinuações ou tergiversações. Aqueles procuradores conseguiram evitar que as provas contundentes e cabais que condenariam Lula viessem à luz do processo e lançaram as acusações contra o senhor José Dirceu, contra quem não existe nenhuma prova. Uma trama inteligente e engenhosa, só possível de ser urdida em mentes afinadas com o maligno, com o crime e o criminoso.
Ora, a pergunta que me fazia era a seguinte: que diabos é esse ministério público federal e pra que ele serve mesmo? Encontrei o seguinte na Wikipédia: "O Ministério Público (MP) é uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art.127, CF/88)". Quem se der o trabalho de ler o excelente, contundente e corajoso artigo do senhor Manoel Pastana verá que ele afirma várias vezes que os procuradores "tuiuiús" agiram em desacordo com a ordem jurídica. Se os procuradores são os magistrados do MP e este tem como função fundamental defender a ordem jurídica, como e onde pensamos estar ao vislumbrar este desolador cenário?
Mas não seria por esta razão que estaríamos mortos, como afirmei ao início. O sintoma de ausência de vida em nossa sociedade e em nossa nação (?) é a ausência de um gigantesco corpo de indignação. Não me refiro a indignações isoladas, espasmódicas, de um ou outro indivíduo. Se li, reli, tresli e re-reli o artigo do senhor Procurador da República é porque não acreditava no que lia. Simplesmente não acreditava. E não acreditava na enorme coragem deste senhor ao expor com tanto esmero e zelo os escabrosos fatos que estão a ocorrer há anos nas entranhas do poder, antes apenas suspeitados, apenas aventados no rol das coisas malcheirosas e fumacentas, que adquirem defensores loquazes e inteligentes a tentar nos fazer duvidar de que pode haver fumaça sem fogo ou haver mau cheiro sem putrefação.
Fui à imprensa. Nenhuma palavra. Nada.
Fui à rede social. Somente as contumazes sordidezes e superficialidades bestificantes. Nada havia. Nenhum pio. De ninguém.
Voltei ao texto, que já me começava a parecer uma peça alucinatória como uma dessas drogas que nos afetam a memória ao dia seguinte. Não havia jeito, era aquilo mesmo; e foi só então que percebi tudo. A nação está morta, estamos mortos enquanto nação; enquanto corpo e espírito únicos, enquanto partes independentes e coesas cujo coração bate n'algum lugar indefinido mas real, não existimos. Estamos apenas geograficamente próximos, nada além disso. O que me parecia uma bomba que arrasaria e humilharia nossa moral e auto-estima levando-nos a urros e caras-pintadas nas ruas gritando palavras de ordem, parecia agora uma que explodira há muito aniquilando nossa vida cívica.
Mas há pior. Postado o artigo à rede social, um ou outro arroubo, um ou outro queixo caído, uma ou outra fasciculação; outras poucas pretensas indignações provisórias e inconseqüentes. Eis aí tudo. Que será de nós, pobres de nós e de nossos pobres?
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