sexta-feira, 18 de outubro de 2013

A mentruação oficial

               Entrei na fila da farmácia e deu-me a impressão de que a mulher que imediatamente se postou atrás de mim havia chegado na frente. Se fosse o caso, eu, indelicadamente e involutariamente, tomara o seu lugar. Na dúvida, me deixei ficar. 
               Poucos segundos depois toca-lhe o telefone portátil. Atende: -"Boa tarde, capitão"! Pelo rabo do olho percebo que está fardada. Não é das forças armadas. Parece uma farda de passeio da polícia militar. Tinha duas estrelas ao ombro: - primeira-tenente. (Será tenente ou tenenta? Como grassa a idéia de que não há o mal e não há o erro, é possível que ambas as formas estejam corretas.) Houve uma breve pausa enquanto o interlocutor falava. 
               Disse, em seguida: -"Estou na fila do pagamento da farmácia. Vim comprar umas vitaminas que estou menstruada e me sentindo muito mole"... Um espanto se apoderou de mim. A primeira-tenente – vou ficar com a forma clássica – parecia ter uma relativa intimidade com seu capitão. Falava demasiado alto para quem está naquele período e a confessá-lo ao telefone. Não somente o capitão, mas toda a fila sabia da menstruação da primeira-tenente língua frouxa. Entrasse naquele momento um assaltante, coisa assaz comum aos dias de hoje nesta terra, roubar-lhe-ia o fluxo com alguma finalidade em vista, tamanha a propaganda que a mulher fazia de sua regra. 
               Dali a pouco meu espanto tomou menores proporções. Foi quando a ouvi dizer claramente: -"Obrigada, capitã... Não sei como lhe agradecer"... Percebi que ouvira mal a princípio. Seu interlocutor era uma mulher e não um homem, como eu julgara ao início. E o diálogo se seguiu quase normalmente, exceto pelo fato de a militar não se importar em falar àquela altura ao telefone, inda mais sobre assuntos de foro tão íntimo. Quem estava incomodado era eu. Ela não dava a mínima. (Observei: - era gorda. Muito gorda. Se era policial, havia de ter outros talentos que não a excelência da forma física. Lembrei de "Círculo de fogo" e imaginei uma franco-atiradora.)
               Por tudo isso, quando vagou um dos caixas, ofereci-lhe, com um gesto de assentimento, a que me passasse à frente. Assim, estaria livre daquelas impróprias confissões ao mesmo tempo que corrigiria uma eventual indelicadeza por ter-lhe tomado o lugar. Ela agradeceu: -"Obrigada"! Enquanto transacionava com o caixa manteve o diálogo com a superior. Continuamos a ouvir quase tudo, mas a essas alturas a menstruação tornara-se uma contingência do diálogo. Para nosso alívio, ela não enveredou em detalhar sua síndrome menstrual. Para a sorte de todos, não veio também o ladrão.
               Saí da farmácia ouvindo a policial detalhar sua escala de serviço ao resto da semana. Os bandidos perderam ótima oportunidade de engendrar um plano para tomar de assalto sua companhia, roubando-lhe as armas. É o que fazem atualmente. (Há o assalto "labuta" e o assalto "logístico". O primeiro tipo é para o leite das crianças, das carreirinhas de pó e pagamento dos "funcionários" e fornecedores; o segundo é para a reposição do "material de expediente".) 

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