Ah... a dor da vida! Dói em demasia a vida. Todos os nossos dias são de dores, está escrito no Eclesiastes de Salomão. E, contudo, nos agarramos desesperadamente a ela, à vida. Queremos viver, queremos a vida. Dia após dia vivemos à espera do grande dia, do melhor dia, do dia feliz, que nunca chega, que nunca vem. Dia após dia fazemos o que não queremos fazer, convivemos com quem não queremos conviver, vivemos como não queríamos viver. Mas vivemos. Dia após dia.
E nos tornamos tristes. À espera do grande dia que nunca vem, seguimos vivendo. Da semana esperamos o final, do ano as festas e dias ociosos, dos meses o salário, enquanto a vida se esvai lentamente sob o efeito da mais poderosa anestesia jamais inventada pelo homem – o tempo. Anestesiados pelo tempo, esperamos. Esperamos covardemente enquanto a vida que queremos não chega. Enquanto ela não chega, vivemos mesmo a que não queremos. Tristes seguimos.
Como são pobres os dias que vivemos, nos extasiamos nos momentos, como bem disse o Borges. Pagamos pesado tributo por viver. O amor que sentimos hoje é a dor de amanhã. A impotência diante do inevitável amor só não é maior que a impotência diante da dor inevitável. Como foi cruel conosco a natureza! Após uma enorme inexistência, dá-nos breve vida com a consciência do fim inexorável, regado ao apartamento categórico dos amores construídos desde a essência! Sim, é cruel a natureza.
Que nos restou? No efêmero tempo que temos, corremos a construir nossos deuses que, se existissem, nos aliviariam sem demora dessa dor excruciante. Pagamos pesado tributo à evolução na inteligência e na consciência. São elas a nos ligar a essa dor interminável, que dura enquanto dura a vida. Que nos restou, a não ser concluir que, no não-ser prévio, na eternidade do universo que nos precedeu a vida, seguíamos sem dor na materialidade das partículas a ebulir indefinidamente, destituídos da memória da separação de nossos amores?
Quando se vai eternamente, para sempre, um amor visceral, é como se nos apartássemos daquilo que nos dava vida, nos emanava luz, nos fornia da energia fundamental para o viver. É como se o coração parasse e seguíssemos como zumbis, mortos-vivos condenados a uma existência insossa e sem viço. Quando desce à campa esse amor visceral, o corpo que fica quer acompanhá-lo, como se o permanecer afrontasse uma ordem imperiosa. O ímpeto é deitar-se junto a ele e lá permanecer, de volta ao não-ser eterno, de onde nunca devíamos ter saído.
Ah... é imensurável a dor da separação de um amor visceral! Já não me bastam essas reflexões ao estilo schopenhaueriano, nem a promessa de Gabriel em Daniel capítulo 8, verso 14. Só mesmo uma vida breve para suportar a espera interminável. Como seria se vivêssemos mil anos? Pobres de nós! Suportaríamos as dores de tantas e tantas perdas irreparáveis? Onde se revela a crueldade da natureza revela-se também sua justeza. Uma vida longa à espera da mesma morte não havia de aplacar o sofrimento de quem vive.
Fernando Cavalcanti, 16.04.2010
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