No firme e inabalável propósito de me interpor aos amigos que exorcizam a comemoração da passagem do natalício, resolvi, há três semanas, convidar os mais chegados convivas a um humilde regabofe. Tudo por conta da passagem de meu próprio natalício. Foi no agradável solar de meu compadre e amigo Chico. Um deque, uma piscina, boa música, um churrasco de carnes nobres, tudo regado a umas geladas cervejas a aliviar a canícula de um sábado ensolarado e de límpida abóbada.
À medida que passa o tempo, fogem de si os amigos. Ocorre na razão direta. Quanto mais passa o tempo, mais aumenta a distância e mais rarefeitos os momentos em comunhão. As forças centrífugas da vida são imbatíveis. Nada parece resistir a esse inexorável impulso de separação dos que se amam. A menos que se esteja atento a ele, vai-se o tempo e a vida até que a morte nos colha. Enquanto há vida, há oportunidade; enquanto há vida, há saudades; enquanto há vida, é possível. Na morte vai-se a memória, o amor, as saudades, a oportunidade... Tudo se deixa, nada se leva. Na morte vive-se apenas nos corações dos que nos amam, assim como se vive somente em seus corações nessa distância da vida. Assim, se não se convive, morre-se antecipadamente uns para os outros.
Outro dia fui à rede social e, coisa curiosa, lá vislumbrei o inusitado: - mortos reais em suas páginas virtuais. Sim, acreditem. O sujeito morreu e lá permanece, na rede social, sua página. Como zumbis virtuais, os amigos mortos continuam vivos na virtualidade. Alguns, os mais recentemente partidos, ainda recebem recados de seus mais próximos familiares e amigos. Ao dia de seu natalício, são parabenizados como se vivos fossem. Tudo isso é a mais deslavada evidência de nosso inconformismo com a finitude e a mais deslavada evidência de que o homem não foi criado para desaparecer.
Numa atitude que me pareceu a mais sã possível, decidi interromper a amizade que morreu na morte do outro. Sua lembrança assim, numa página de rede social, contrapõe a mais moderna e espantosa tecnologia do século XXI à velha e secular senhora inexorável, com a vitória desta última. Não há esperança para o homem na tecnologia, eis a verdade. Não há esperança para o homem na ciência, na falsa ciência. O perfil do morto mantido na rede social é um gritante sinal de nossa tecnopatia recente e ilusória.
Mas, voltemos à rapioca entre amigos. Resolvi iniciar o negócio às três da tarde, horário em que os que trabalham já estão livres, horário em que os que têm filhos pequenos já lhes encaminhou a vida, horário, enfim, em que já se torna possível uma patuscada descompromissada e livre de pendências. No convite, feito com a devida antecedência, fui explícito o bastante: - "venham os que quiserem, venham os que puderem, venham os que vivos estiverem". E fui claro: - a humilde reunião alongar-se-ia até as oito da noite, com a possibilidade de delongar-se até horário indeterminado caso nela permanecessem os que sempre anelam pela eternidade desses mágicos momentos. Com isso quis deixar à vontade de cada um tanto a hora da chegada quanto a hora da partida.
Os que me lêem quererão saber a razão de tanto zelo e de tanta prolixidade nas palavras de um convite. Sim, porque à certa altura da vida a objetividade é cultivada e desejável a fim de mitigar as dúvidas e os mal-entendidos. Ocorre que, de uns tempos para cá, tenho recebido cobranças e reclamações por parte de amigos, alegando que ando ausente em demasia. Consciente da inveracidade desses protestos, quis demonstrar minha total disponibilidade para receber a todos durante o tempo que dispusessem.
Afora a falta daqueles que sabia eu estarem impossibilitados de comparecer por razão de força maior, houve uma falta que primou pela comicidade que suscitou. Seu protagonista foi nada mais nada menos do que o meu querido amigo e irmão Antonio Torres Braga. A comicidade de sua falta advém justamente da certeza inamovível que o homem me deu de seu comparecimento.
Eram nove e pouco da manhã e eu ainda dormia quando bate o telefone portátil. Olhando o identificador, vi claramente, ainda meio sonolento, o nome de meu amigo. Atendi.
Ele assegurou: - "Desculpe, bacana, mas disquei errado. Ia ligar para outra pessoa, mas aproveito pra te avisar que mais tarde, logo mais, estaremos lá no Chico pra te dar aquele abraço". Disse-lhe que o esperaria para tomarmos juntos uma cerveja, e nos despedimos.
Cheguei à casa do Chico por volta das três da tarde como combinado, e dali a pouco os convivas foram chegando. Lá pelas seis recebo uma mensagem do Braga garantindo a presença. Dizia: -"Chego já"! Pouco depois aparece o Tomasinho, sempre retardatário, sempre chegando depois de todos, às vezes no final da festa. Deu sete horas e bate o telefone portátil. Era o Braga novamente. Disse: -"Estou meio atrasado, mas chego já, já"... Deu oito, deu nove... Lá pelas dez a mensagem fatal e definitiva: -"Amigo, infelizmente não poderei comparecer... Não estou bem"... Na dúvida sobre o que o amigo quis dizer exatamente, e apostando que seu mal-estar não seria físico ou orgânico, respondi por mensagem e já meio de pilequinho: -"És um bundão"...
Um puta dum bundão mesmo...rsrrsrsr
ResponderExcluirVou nem que seja o último, nem que seja de muleta. Qualquer coisa para escapar desta metralhadora. Eu heim... kkkkkk
ResponderExcluirTomás