Quando muito se pensa, muito se pensa.
E pensar não é lá uma tarefa fácil. Pensa muito quem muito está consigo mesmo,
em silêncio, sem as intromissões frequentes ou ocasionais d’algum intruso. Por
isso não é fácil pensar – há sempre intrusos a nos desviar a atenção. Cuidem lá
não se pensar que me refiro a alguém. Muitas e muitas vezes o intruso é um
objeto ou um aparelho – um telefone, um rádio, uma televisão. Conheço uma penca
de gente admiradora e espectadora da novela; exemplifica da vida o que ocorre
na novela; marca o compromisso para depois da novela; chega à casa a tempo de e
correndo para ver a novela. Eis, então, a novela a servir de intruso.
Eu queria escrever e
não conseguia. Não tinha sobre o que escrever ou, melhor, tinha tanto para
dizer que já nem sabia por onde começar. Tantas coisas estão a acontecer, e
tantos estarrecimentos a me impactar que não sabia por onde começar. Nem sabia
se devia começar. Os sinais que capto me dizem que seria um bom momento a ficar
calado. Só pensar. Não tenho intrusos a me distrair. Não os permito. Os dois
monitores de televisão que tenho ficam calados quase todo o tempo. Escolho não
ouvi-los. Nem permito que a novela exista para mim. Alguns amigos e amigas se
referem, quando saio a encontrá-los, a algum personagem da novela e minha ignorância
fica patente em minha cara de imbecil.
Já bati em tantas e
tantas teclas que, mesmo assumindo minha obsessão para justificar-me, desisti
momentaneamente de voltar a trazê-las à baila. Muitos desses temas requerem o
tempo a lhes emprestar a força do argumento com o qual argumentei. Ainda assim,
temo que este mesmo tempo de nada sirva. Ora, percebi inúmeras vezes que muita
gente não entendeu bulhufas do que escrevi; ou entendeu o sentido oposto. Ou –
pior! – entendeu o que nitidamente seu pré-conhecimento lhes ordenava entender.
Percebi, então, a verdade contundente: não se lê com a mente aberta. Não
generalizemos: muitos não leem com a mente aberta. Dizendo de outra forma:
muitos leem com a mente da pré-conceituação e do dogmatismo. Por isso, o que
quer que esteja escrito, será lido sob a lente de tais amarras.
Ainda hoje, no hospital, me dizia o meu
querido Ciro Ciarlini: -“Nenhum de nós presta!” Queria ele informar da
constatação antiga: todos os seres humanos estão em falta. Todos nós erramos.
Dito assim, parece que o amigo estava a ventilar o óbvio. Falávamos dos que
vivem a pelejar no mesmo erro. Ora, há os que erraram e mudaram. Há os que
cometeram injustiças e cujo sono lhes fugiu ao peso do remorso e da ânsia do
perdão. Há estes que experimentaram o fel de praticar o mal. Meu amigo falava
daqueles cujo mau ato causa-lhes gozo e deleite. Há também daqueles. E há
também a imensa maioria dos que se amoldaram desde o princípio. Nada
questionaram. Não se refizeram. Não se reconstruíram. Encontraram nos dogmas
seculares seu regozijo e felicidade. Aceitaram-lhes sem um rabisco de correção
ou dúvida. São destituídos da prazerosa curiosidade, mesmo com as evidências a
lhes esmagar as ideias; mesmo com os gritantes e eloquentes sinais dos
malefícios de seus acalentados dogmas.
São tempos difíceis. Ou talvez nem o
sejam tanto assim, não diferente de algo que tenha ocorrido tantas vezes no
passado. O que se pode aprender em setenta ou oitenta anos? Quem, em sã
consciência, se habilitaria a remover de cima de si mesmo um entulho de
toneladas de dias e anos? É preciso ter coragem ou não dar tanto valor assim à
vida. É preciso ter coragem.
Eu não sabia sobre o que escrever. E
escrevi sobre nada. Quem puder entender talvez diga que escrevi sobre tudo.
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