quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Eu, um charuto freudiano

Devo ser um sujeito cheio de sorte. No espaço de bem pouco tempo duas amigas me escreveram para confessar o seguinte: - haviam sonhado comigo. E, se bem me lembro, uma delas pela segunda vez. Então, foram três sonhos. Coloquemos de forma bem completa: duas mulheres, três sonhos e eu de pivô.
            Vocês bem sabem o que pode dar ao se pôr frente a frente um homem e uma mulher. Põe-se um e outro e abre-se uma janela a um infinito conhecido. Assim, vale a seguinte questão: e quando não se os põem juntos? Poder-se-ia responder, despretensiosamente: quando não se os põem juntos restam os sonhos.
            Freud imputava aos sonhos a realização de desejos reprimidos, “os desejos que não somos capazes de expressar em um ambiente social”. Seu discípulo Carl Jung discordou. Freud estaria influenciado pela época da repressão sexual vitoriana e só pensava “naquilo”. Depois vieram Hobson e McCarley e disseram que os sonhos eram apenas estímulos fisiológicos aleatórios que “puxam imagens dos traços de experiências armazenadas na memória”, ao que parece a teoria que resiste à prova do tempo.
            Freud ficou a mercê dos pesadelos, que queriam ameaçar-lhe a teoria, mas saiu-se engenhosamente alegando que eles seriam desejos sádicos e masoquistas reprimidos. Ainda assim não conseguiu livrar-se da acusação de Erich Fromm de que seria “um nacionalista carente de inclinações artísticas ou poéticas e, por conseguinte, não tinha quase sensibilidade alguma”. Para ele, embora Freud certa vez tivesse dito que “às vezes um charuto é só um charuto”, sua interpretação estritamente sexual dos símbolos era a prova de sua insensibilidade “para a linguagem poética”. Em suma, o homem só pensava mesmo “naquilo”; não era capaz de associar o simbolismo dos sonhos a outra coisa que não fosse pirocas e xoxotas. Não haveria conflitos interiores outros que não os de natureza sexual.
Ainda que o pensamento do Mestre seja hoje tratado apenas como parte da história da psicanálise, é tentador relembrá-lo ao relato de sonhos de amigas de teor inteiramente impróprio para menores. É ou não é? Devo enfatizar: - uma delas sonhou por duas vezes comigo, uma delas repleta de teor sexual. O sonho da outra foi, pelo que pude entender, do começo ao fim, uma fudelança só.
Eu disse ao início que devo ser um sujeito sortudo. É, sem dúvida, uma grande pretensão de minha parte. Afinal, e ainda me reportando às fracassadas teorias do Freud para explicar a natureza dos sonhos, os pesadelos também são sonhos. Minhas queridas amigas talvez tenham se privado de me confessar a suadeira e o terror que se lhes abateu ao despertarem. Seriam sádicas por nutrirem por mim um desejo sexual recheado de práticas e objetos torturantes? Ou seriam masoquistas a pensarem em mim como o carrasco de sua dor ao leito do amor?  Só de pensar já me assaltam o terror e a vergonha.
Em todo caso, fica a minha confissão de me saber no limbo e no limite, talvez nas profundezas de algumas inconsciências, objeto de prazer idílico ou fonte de penúria e aflição. Estarei por isso necessitado de um discípulo do Mestre? Oh, destino cruel!...

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