“...eis o dilema:
(com)parar,
ou (con)seguir.”
(Chico Passeata)
Tudo o que julgamos ter valor guardamos. E, quando supomos ter o que queremos guardar valor inestimável, o guardamos ainda mais secretamente.
Com a morte do querido Chico Passeata, queria sair à cata da tirinha de papel que, tenho certeza, guardei n’algum lugar de minha estante. Bem sei que o poema de única estrofe me ficou guardado também na memória desde o primeiro instante em que lhe deitei os olhos. Ainda assim queria o papel, manuscrito à letra do Chico, letra bonita, cuidada, quase desenhada. Queria achá-lo por alguma razão que, embora me escape justo agora, era premente para mim.
Queria achá-lo, mas não o procurei de fato. Era uma intenção sem ação. Lembrava-me do papel, do azul da tinta da caneta utilizada, das três pautas nele impressas sobre as quais estavam as letras do Chico; quase podia vê-lo se materializar em minhas mãos. As horas passavam e eu apenas nele pensava.
Sabia que estava muito bem guardado, protegido de não sei quê. O segredo era tão desconhecido que por um instante acreditei em alguma armadilha de minha memória que abrisse um alçapão para meu subconsciente. A verdade é que esquecera por completo onde o pusera. Agora, neste exato momento, ele está ali, na estante, no outro aposento, escondido como relíquia rara. Algum dia, qualquer dia, numa dessas faxinas que se faz a intervalos, hei de encontrá-lo.
E por que o queria? Agora me lembro. Queria a prova da existência do lampejo genial do poeta. A poesia do Chico, como uma supernova que não se apaga, está imortalizada na tirinha de papel que guardo em lugar por enquanto desconhecido. A tirinha é para mim como um Hubble particular apontado para a essência do poeta a atestar da autenticidade de sua explosão bela e maravilhosa.
O que eu não disse até agora é que aquela foi a última vez que vi o Chico. Hão de perceber, então, o significado para mim desse objeto tão minúsculo, depositário de tão carinhosa dádiva.
Refugio-me da tormenta... no poema.
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