Ontem fiz 51.
Lembra-me
que há exatos três anos escrevi uma resenha de mim mesmo (http://umhomemdescarrado.blogspot.com.br/2016/05/resenha-de-mim-mesmo.html).
Permanece à realidade do tempo passado tudo como lá está deitado à página. Em
outras palavras, tudo confirmo. Ao final anelei: “Oxalá possa fazer algumas
reflexões o ano que vem”. O ano que vinha passou, depois dele mais um, e cá
estou novamente à beira de novas reflexões. Previno: não serão tantas quanto aquelas.
Em
primeiro lugar, a pensar em números, é uma quantia bem razoável de dias, pouco
mais de 18.615. Coloquem-se aí os bissextos a cada quatro anos e teremos mais
quase 13 dias. Ou seja, estou vivo há quase 18.630 dias. Não é algo a se
desprezar. Terei feito muitas escolhas que o tempo demonstrou serem incorretas, o
que me levou a uma larga experiência. Esta, por sua vez, me está a capacitar a
fazer, hoje, melhores escolhas. É preciso tempo, em suma. Eis aí ele, o meu
tempo.
Que
de novo me trouxe a vida após aquelas reflexões? A perda do que chamo um “amor
essencial”, a morte de um ente próximo, tão próximo que faz a dor ser em parte
substituída por uma espécie de perplexidade, foi a novidade dos últimos três
anos. Não por isso ou, talvez sim, justamente por isso, voltei com maior e mais
aguçado interesse à busca das questões também essenciais. Muito cedo fui
impelido a elas. A vida, contudo, é alienante em todos os aspectos. Seus ventos
e vendavais nos lançam e nos levam para distante delas. Diga-se que sempre há
uma enorme colaboração de nossa parte nesse distanciamento. Buscar tesouros que
a humanidade insiste em esconder sob o peso dos milhões de dias de nossa
perambulação no planeta não é tarefa fácil, a não ser que o que busca se dê
algumas horas de seus poucos dias a ela. Ademais, há o amontoado de tralha
científica e idéias absurdas. Dirá alguém que há de se exercer e respeitar a
liberdade de idéias, e eu direi que mais ainda há que se exercer e respeitar a
liberdade de combatê-las quando afrontam a inteligência do homem. Não é fácil
romper paradigmas seculares. Como disse o Nelson Rodrigues, toda unanimidade é burra,
ao que o Rubem Alves completou afirmando que as massas são destituídas de caráter
e adquirem sérios desvios da boa ética.
Os
de língua inglesa usam uma expressão que considero extremamente poética para
dizer que alguém já não vive. Dizem que fulano passed away. Assim, a essas alturas, em torno dos 50, começa-se a
perder o que nos lúdicos anos jamais se pensou perder. Pois para mim chegou o
que nunca imaginei chegar.
Uma
outra novidade foi o segundo divórcio, que para nós representou tão somente a
solução simples para um problema mais simples ainda. Ambos o queríamos. Libertar-nos-ia
de nossa teimosia em fazer vicejar o que já não vivia. A amizade se nos
apresentava como a excelente alternativa e ungüento à nossa frustração dos sonhos
sonhados e comprovadamente impossíveis de se realizar. Passamos por isso de
forma madura e em paz. Há
coisas que só se fazem a dois. É necessário que apenas um agrida durante o
processo do divórcio para que tudo descambe em direção aos poços mais profundos
e lamacentos. O outro vai junto ainda que não queira. Será o momento em que se
percebe quão errada foi a escolha. O divórcio não é necessariamente um fracasso
ou sinal dele. Se maduramente escolhido é, como já disse, a simples solução. O
que se faz a dois é escolhido a dois, e tudo a dois é bem mais complexo. São
dois quereres, duas vontades, dois mundos, duas vidas, duas noções, várias
concepções individuais em dois seres humanos completamente diferentes. Gabriel
García Márquez expõe de forma magistral as reflexões íntimas que faz um casal,
cada um a seu modo e de modos bem parecidos, sobre a sua situação de casal, de
ser casal, de pertencerem à instituição casamento. “Uns ressentimentos mexeram
em outros, reabriram cicatrizes antigas, transformaram-nas em feridas novas, e
ambos se assustaram com a comprovação desoladora de que em tantos anos de luta conjugal não tinham feito mais do
que pastorear rancores”, é uma dessas inúmeras passagens de seu “O amor nos
tempos do cólera”. Para o casal Juvenal Urbino e Fermina Daza a solução veio à
velhice com a morte do primeiro. A nossa veio com o que considerei um bom divórcio.
Minhas
reflexões levaram-me a conjeturar sobre o que me parece o óbvio. A união entre
um homem e uma mulher no casamento é uma instituição criada pelo Criador ao
tempo em que comungavam com Ele vida santa e irrepreensível. Após o alijamento
do homem daquela comunhão, o casamento tomou contornos e moldes humanos, sem a
invocação do divino. E nos moldes do homem tudo apodrece. O que o G. G. Márquez
demonstra em seu romance é a aparência degradada da instituição divina, posto
que humanamente impossível juntarem-se peças corrompidas em união feliz por delongado
tempo.
Em
conseqüência do apartamento do casal do qual era parte tornei-me um solteiro
convicto, uma experiência que há tempos não experimentava. E o melhor –
descobri-me um solteiro convicto nato que se sabotou à verdura dos anos. Serodiamente
descobri que, sim, somos nossos maiores sabotadores. Os outros apenas fazem
conosco o que permitimos, e frequentemente nos permitimos a sabotagem, por si
mesmos ou através de outrem. Não seremos culpados por adoecer, em tese. E o somos, quando
agredimos o corpo através de uma vida desregrada e degradante, imersos que
estamos num mar de carcinógenos carregando nossos já degradados genes por ação
de nosso apartamento da árvore da vida. Assim, a solteirice se abateu sobre mim
como uma dádiva e como uma bênção. Descobri-me um homem por demais espaçoso, ou
cansei-me da coabitação, das duas uma. Qual a importância da causa da vontade
de morar sem companhia? Nenhuma importância. A muitos pesa o medo de envelhecer
sozinhos, ou de passar mal à madrugada, ou de morrer sem a tentativa de um
socorro, e escondem seu egoísmo pondo-se ao lado de qualquer um. Que importa? A
morte há de ser como um beijo doce que faz dormir. Pior que isso só a tortura
do viver.
Por
agora já me vão ditas as novidades. E, repito, oxalá possa fazer novas reflexões
ao próximo ano.
Por agora e por longos anos, caro Fernando. Oxalá possa eu, também, estar por aqui para apreciá-las.
ResponderExcluirAbraço e parabéns mais uma vez!!!
Nandão, dissete muito. Quase tudo, talvez.
ResponderExcluirForte abraço
Fernando Sampaio
Que belo texto amigo Fernando ! Define por completo as relações conjugais que muitas vezes nos submetemos. Comprovadamente a idade traz algum bem, ou seja, dos poucos benefícios que traz, a maturidade é um deles.
ResponderExcluirParabéns !