Os que me lêem
nativos de outras paragens, é provável, não conhecem o significado do verbo raparigar. Com efeito, nem mesmo os
dicionários da língua portuguesa, exceção feita, talvez, aos informais cujo conteúdo
se constrói à moda contínua através da participação de quem o desejar e,
obviamente, aos autóctones desta terra alencarina. Os participantes na construção
de tão inusitado cartapácio eletrônico e virtual procedem de regiões diversas
que, seguramente, têm lá suas próprias formas e trejeitos de sentir e ver a
vida e, por conseguinte, de expressá-los e dizê-los à sua moda. Por isso é
bastante possível que já alguém deste torrão tenha feito o favor aos demais
falantes do português “informal” de avisá-los do significado do que seja raparigar.
Para
que não saiam a alastrar aos vários cantos do mundo que estou a dizer asneiras,
basta que se vá ao link http://www.dicionarioinformal.com.br/raparigar/
e se constate se o que falo tem ou não lastro. Provado por A+B a minha aparente
inútil tese, passo a dizer-vos do porquê de tê-la trazido à baila. Ocorre que o
cearencês, língua própria dos habitantes e residentes do Ceará, comete das mais
torpes injustiças ao incluir em seu jargão semelhante verbo derivado do
substantivo rapariga. A injustiça se
faz, como é fácil inferir, às mulheres, especialmente às jovens.
Feminino
do substantivo rapaz, rapariga significa mulher muito nova,
moça ou menina pequena e, no Brasil, meretriz. Vê-se que no Brasil, e
especialmente no Ceará, raparigar passou
a significar ir à caça de meretriz(es).
Bem poderia significar ir à caça de moças, mas, por uma obscura razão que não
atino, não é assim. O sujeito que sai para paquerar ou flertar sai para raparigar.
É
bom que se diga uma ressalva: o verbo ou a atividade de raparigar é empregado
na maioria das vezes quando o agente que rapariga
(3ª pessoa do singular do presente do indicativo – eu raparigo, tu raparigas, ele rapariga) é um mancebo casado ou
comprometido de alguma forma. Usando uma expressão inglesa que serve bem à idéia
do sujeito compromissado, diremos que o sujeito is engaged ou, se o caso
for mais sério, is engaged to. É possível
que aí se incluam também os casados. Óbvio é que essas considerações
aparentemente prolixas e hiperbólicas não estão a excluir os solteiros da tão agradável
atividade de raparigar. Solteiros também
raparigam (3ª pessoa do plural do
presente do indicativo). E muito! Entretanto, via de regra o sujeito que sai
para flertar sendo livre e desimpedido jamais dirá de si mesmo que está a ir raparigar. Ele sai para se divertir,
jogar conversa fora, tomar um drinque, flertar. A não ser que vá de fato no
encalço de dissolutas, nunca dele se dirá o que se diz sempre dos que are engaged quando saem desprovidos de
suas consortes. Digamos, para encerrar de uma vez por todas essa lengalenga,
que raparigar é sempre atividade dos comprometidos ao passo que é, nos solteiros e
desimpedidos, uma atividade circunstancial. Não sei se me faço entender.
Devo
alertar ao meu leitor que essas conclusões são, todas, fruto da pura e simples
observação. Seria o caso de imputá-las ao método científico. Reparem bem –
ponham um casado varão vigoroso a se aventurar à noite de uma grande cidade e
comuniquem o fato à sua esposa. À manhã do dia seguinte, de volta ao lar seguro
e saciado, será abordado pela mulher que lhe fará a seguinte pergunta: -“Onde o
senhor foi raparigar?” Ainda que o nesse
momento infeliz diga que esteve a parlamentar e rir-se com amigos, a cônjuge
partirá do princípio que ele saiu a flertar com todas as mulheres que viu. Aqui
dou cabo daqueles que julgavam a minha tese ainda por ser provada – se o varão
flertou ou fez a corte a alguma linda mulher que por acaso tenha visto no restaurante ou taverna ou bar onde esteve
nada disso demonstra que ela seja uma notória rameira. Conclui-se daí que a
consorte do varão que nos serve de exemplo incluiu todas as mulheres do lugar sob a balda de galdéria, o que
obviamente está longe da verdade. Mesmo os lupanares mais ordinários têm lá
suas faxineiras que não serão incluídas entre as “funcionárias” do lugar.
Assim,
fica provado com usura que o verbo raparigar
é muitíssimo mais utilizado por mulheres de maridos e por noivas de noivos e
similares. Foi o que ocorreu outro dia ao Amorim, que saiu a bebericar e palrar
comigo. O homem vinha lá sob o peso de determinada apoquentação quando, numa coincidência
providencial, bati-lhe o telefone portátil. Quando lhe fiz o convite a vir me encontrar
ele sentiu dirimir-se por inteiro sua justificada aflição como se largasse de
sobre os ombros pesado fardo. Correu à casa na tenção de trazer consigo a
mulher e a encontrou dormindo. Resolveu, então, vir sozinho ao meu encontro, do
qual se despediu cedo por zelo a ela. Ao dia seguinte a pergunta: -“Onde o senhor
foi raparigar?”
E quereis saber? Não estivemos em alcouce àquela noite. Não somos dados à sua freqüência.
Para as esposadas, todas as outras mulheres são raparigas. Agora percebeis a injustiça de que falei ao início.
Alastra-se
como a praga mais contagiosa de nosso tempo a idéia inútil e parva de que a língua
e a linguagem são instrumentos de opressão e de discriminação. Por exemplo, se há
trinta mulheres e um único homem numa sala diz-se sobre eles: -“Eles estão na sala.” Pois esse eles é opressor, já que um mísero
exemplar do sexo masculino impôs o uso do pronome masculino como sujeito da
frase numa situação onde também havia trinta mulheres. Assim, percebe-se que o
homem, em pleno século XXI, ainda subjuga a mulher e a trata a socos e pontapés
como no tempo das cavernas. Uma mulher americana do norte – não sei se as
inglesas também – diriam a esse desusado grupo na sala, ao cumprimentá-lo: -“Hi,
guys!” Vejam bem: guys! É que por lá guy, no singular, significa “homem”, ou “rapaz”,
ou “companheiro, amigo”; no plural refere-se a pessoas de qualquer sexo
indistintamente, “pessoal”. Então nossa norte-americana hipotética estaria
dizendo ao grupo da sala: -“Oi, pessoal!” O nosso eles, ao que me parece, bem que merecia ser visto da mesma forma, mas
a praga contagiosa do ranço e das idéias inúteis o impede.
Tornamo-nos
senhores do excesso inútil. Baixou-se uma lei “especial” que prevê a punição aos
homens que agridam suas mulheres. Ora, se já há uma lei que prevê a punição do
ser humano de qualquer sexo que agrida qualquer outro ser humano de qualquer
sexo, para quê tal lei? A própria lei torna-se discriminatória e revela a
suspeita da existência do surgimento de um preconceito às avessas. Vejam que as
raparigas são o preconceito das
estabelecidas contra as outras. Sabem que a figura que mais as assombra é a amante.
Assim, resta apenas pôr de parte um conselho a estas: amantes, uni-vos! Ou,
melhor: raparigas, uni-vos!
A DO REIIIIIIIIIIIIIII!!!!!! Fernandinho, rapaz vc escreve muito bem. Consequir destrinchar o verbo ¨raparigar¨, nao é pra todo mundo,KKKKKKKKK. Parabéns!!!! Um beijo,Carmen.
ResponderExcluirMeu caro parabens, voce escreve como ninguem :-)
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