Desisti de tentar entender de onde vêm algumas mensagens que me chegam por correio eletrônico. Melhor seria dizer que custa-me atinar como essas mensagens me alcançam. Em outras palavras, não sei como essas pessoas ou essas "empresas" fazem para obter o endereço das pessoas nem como se apoderam de informações que seriam, até certo ponto, confidenciais. Veja-se, por exemplo, o que sucedeu-me por conta de minha ignorância sobre tudo isso.
Recebi, hoje, uma correspondência me informando da proximidade do aniversário de meu querido amigo Padilha, a ser comemorado ao dia 27 do mês corrente. Nela estava estampada sua foto, sorridente que nem um artista de novela, e a data de seu nascimento, 27 de abril de 1953. Estranhei de pronto, já que em minhas contas o Padilha é quase um garoto, um "broto", um galã mal aproveitado. Nunca me havia passado pelas idéias que ele carregasse às costas notáveis e rotundos 60 anos de idade. Ou há erro do informante, ou o Padilha é um mentiroso sessentão como os bonitões da sétima arte.
Diga-se de passagem, o Padilha está inteiraço. Em que pese sofrer lá de suas pequenas e crônicas mazelas – ele sofre dos intestinos e da coluna –, o Padilha nem de perto aparenta seus incômodos e fermentáceos distúrbios. A coluna o impede de fazer os exercícios aeróbicos tão na moda para manter a forma, mas isso não é um problema pro Padilha. O amigo é magro como uma sílfide, possivelmente com a ajuda da rigorosa dieta à qual se submete por conta de seus desarranjos digestivos. Assim, nem tentarei omitir o que os mais chegados estão carecas de saber: - o Padilha é vaidosíssimo.
Sua vaidade está expressa em seu vestuário requintado, perfumes de grife e sapatos caríssimos. Com os cabelos tem um cuidado todo especial. Neles, e todos os dias, após o que o Nelson Rodrigues classificaria como um "banho de Cleópatra", Padilha usa uma mousse capilar fixadora e embelezadora seguida do uso do secador. (Isso mesmo: - ele tem um secador de cabelos!) Necessário é detalhar, para melhor entendimento do cuidado extremo com a aparência, o processo de secagem que o amigo utiliza em seu negro e cheio cabelame. (Do alto de sua sexagenária vida, ele segue guedelhudo como um porco-espinho.)
Empunhando uma escova de formato cilíndrico e preparada em madeira de lei, dessas que as madames usam em seus salões de beleza quando lá vão se paramentar, Padilha "constrói" um invejável topete aplicando ao instrumento movimentos axiais ascendentes, repetitivos e progressivos. E ai de quem se meter a besta na tentativa de assanhá-lo depois de concluída essa melindrosa e especializada operação! Será alvo certeiro de impropérios verbais e, quiçá, solavancos físicos. (Embora o Padilha seja homem moldado na mais esmerada educação, certas provocações e situações levam-no facilmente ao limite da paciência, despertando seu demônio interior, que há de rosnar como um leão faminto.)
Eu disse que o Padilha sofre dos intestinos? Disse. Saibam que usei o plural por um detalhe que poderia passar despercebido ao mais incauto: - Padilha sofre tanto do grosso intestino como do intestino delgado. Assim, o homem sofre dos dois intestinos. É sabido que o sujeito que não tem uma boa lida com seu aparelho digestivo alberga em sua psique insondáveis desleixos afetivos e/ou comportamentais bem fáceis de entender. Afinal, eles são fonte assídua de situações embaraçosas e periclitantes. O Padilha, é bem provável, não será exceção a essa observação factual. Confesso, contudo, desconhecer por completo qualquer desses desvios em meu amigo.
Só agora percebo que desandei a falar no Padilha quando, a princípio, imbuído de propósito inteiramente diferente. Meu intento, já que entramos às vésperas das comemorações do natalício de meu amigo sessentão, era relatar o que sucedeu quando lhe bati o telefone para lhe informar que fora assaltado por grande surpresa ao tomar conhecimento de sua verdadeira idade.
Ele, ao ouvir-me ao telefone, foi logo reclamando das vicissitudes das quais tem sido vítima nesses últimos dias: - fora, pela quarta ou quinta vez e mais uma vez no decorrer do último ano, vítima de fraude. Já lhe "clonaram" cartões de crédito por mais de uma vez, já fizeram compras em lojas virtuais usando criminosamente seus dados, também por mais de uma vez e, durante esses dias, ele descobriu que alguém comprou um plano multifuncional em certa operadora de telefonia celular usando fraudulentamente o seu nome.
Enquanto eu forçosamente insistia em saber de sua verdadeira data de nascimento, ele esbravejava a me explicar que nos últimos dois dias passara várias horas numa loja da operadora tentando sair do engodo onde involuntariamente se metera. Estava fulo da vida. Eu não arredava o pé: -"Padilha, é verdade que tens 60?" Ele respondia: -"Sessenta uma pinóia!" E emendava: -"Deixa de frescura"!...
Acabei por permitir seu desabafo. Falou que o estelionatário comprara em seu nome um plano que contemplava telefonia celular, internet, TV a cabo, e mais um ou outro badulaque qualquer. Repetiu a mesma ladainha umas três vezes, ao final das quais sugeri: -"Devias consultar o teu médium... Há de ser um espírito zombeteiro a fazer caso de ti!" Mais fulo ainda, redargüiu: -"Deixa de frescura, macho!!..." Seguidor do kardecismo e percebendo meu descarado deboche, sentenciou: -"Vou desligar!", e bateu o fone nas minhas fuças.
Uma coisa pude concluir como certa: - o Padilha é um homem de muito pouca fé!...
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