Não é de hoje que o Brasil é o país do faz-de-conta. A bem da verdade desde sempre o faz-de-conta tem dominado a vida nacional. Vejam como a coisa é mesmo antiga.
Sabe-se que a revolução liberal do Porto de 1821 pretendia, dentre outras coisas, re-“colonizar” o Brasil. A forte pressão exaltava os ânimos por essas paragens, já que ninguém por aqui queria tal retrocesso. Em 1822 a situação era tal que das duas uma: ou voltávamos ao status de colônia, ou nos desligávamos da metrópole.
A elite da época não queria se desligar de Portugal. Seus interesses e privilégios estavam plenamente satisfeitos com essa ligação e ela antevia ainda mais “progresso” nessa relação. O povo que se fodesse! Portugal era, portanto, necessário à nossa classe dominante. Assim, parecia que estavam a aliar-se a fome e a vontade de comer.
O diabo eram os tais “radicais”, parte esclarecida da população que não podia nem ouvir falar na possibilidade do que pretendia a revolução do Porto. O Imperador, “defensor perpétuo” do Brasil, estava sendo pressionado a voltar a Lisboa e nele se via a única possibilidade de manutenção da união do vasto território. A pressão a que o homem aqui permanecesse era grande. Tanto que, em 9 de janeiro de 1822, ele disse, num desses discursos bem afeitos aos dos colloridos: -“Para o bem de todos e felicidade geral da nação, digam ao povo que fico”! E ficou. Mais tarde foi embora brigar com seu irmão Dom Miguel pela coroa de Portugal.
A crescente pressão vinda da Europa e as crescentes e freqüentes revoltas da arraia miúda culminaram com o factóide das margens do Ipiranga, este, em si, um brutal faz-de-conta que foi para os livros de história, como todo o resto.
Depois, quiseram promulgar uma Constituição que tirava os poderes do “defensor perpétuo” que, obviamente, não permitiu a positivação de tal intenção. Só para se ter uma idéia, o projeto de Carta Magna punha o comando das forças armadas longe do Imperador! Assim, ele, com toda razão, dissolveu a assembléia constituinte que tramava contra ele e convocou uma nova ao ano seguinte, mais afeita a seu gosto.
A nova Carta era um primor de liberalismo e democracia, bem ao feitio do cada vez maior movimento europeu de limitação dos poderes dos coroados, ainda que recheada do “velho” absolutismo. Tudo na mais completa reinauguração do crescente faz-de-conta. A lei máxima entronava Sua Majestade na mais inalcançável posição e o punha sobre tudo e todos, bem longe e bem acima da lei. Basta, a quem interessar, consultá-la e constatar.
E por aí estamos indo. Para variar, como comumente dizemos quando queremos dizer que, de fato, nada "variou". Por aí estamos indo e vindo até hoje.
Para ilustrar a história do faz-de-conta perene e ao longo do tempo dou um salto para demonstrar, num simplório e local exemplo, como ele ainda está entre os convivas, e prometendo ficar ainda conosco por muitos séculos.
Na semana passada assisti, em telenoticiário local, a fala do senhor Ciro Gomes, homem imbatível em inteligência e retórica, quando da posse de uma multidão de policiais recém-ingressos na corporação. Disse ele o seguinte: -“Nossa sociedade está doente, grande parte da sociedade mundial está doente...!” Ouvindo isso me empertiguei na poltrona. Sentia algo novo a se aproximar; algo contundente, chocante, extasiante. Dir-se-ia que estava em vias do infarto. Vindo do senhor Ciro Gomes sempre há a possibilidade de uma eloqüente bombasticidade.
Eu me perguntava, nos milionésimos de segundos em que ele suspirou para continuar, que doença pandêmica estava a acometer quase todo um globo, quase 7 bilhões de almas, eu inclusive. Eu pensava: -“Estou doente e não sei...” "De que será que adoeci?", era o que me perguntava. Eis, então, a pérola que ele, como uma humilde e bela ostra, preparou para o ornamento de meus ouvidos: -"Enquanto a sociedade entender que a felicidade está no consumo, ela [a sociedade] estará doente..." Meu refluxo – tenho refluxo gastro-esofágico – subitamente passou a me apoquentar. Para piorar ele continuou. Disse: -"A felicidade está no amor, na fraternidade, na paz social..."
Não sei se os leitores percebem onde quero chegar. Não sei se me faço entender. Será necessário continuar? Mais digressões são absolutamente inúteis... Desculpem-me os leitores.
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