Depois
de um alargado lapso de tempo, volto a abrir um jornal.
Inúmeras
vezes escrevi sobre minha repulsa à imprensa local, seja ela a
falada, a televisada ou a escrita. Sobre ela pesam seriíssimas
acusações de minha parte, a mais grave delas a tendenciosidade.
Seja por coincidência ou oportunismo, seja por pusilanimidade, a
imprensa local é tudo, menos independente. Se por coincidência e
oportunismo, explica-se pelo fato de o país estar sendo governado
pelas esquerdas; se por pusilanimidade, explica-se por seus afagos
aos governantes de plantão, sejam eles quem forem. Prefiro pensar
que nossa imprensa é ao mesmo tempo oportunista e cobarde. Se
pensarmos seriamente, os danos causados ao país por esse tipo de
imprensa são bem maiores que o mal causado pelos maus agentes
públicos que ela encobre em suas matérias superficiais, incompletas
e vazias.
Devo
dizer que é justamente esse tipo de matéria, abordando
superficialmente tema de importância capital, o que me arrisca a
passar, mais uma vez, as páginas de um jornal. Por exemplo, o caso
da renúncia do Secretário de Saúde do Estado do Ceará, Carlile
Lavor. Segundo os jornais, ele saiu porque se sentiu incapaz de
“coordenar” os profissionais que integram o órgão. Ele disse:
–“A Saúde tem vários problemas e é essencial que haja uma
'coordenação' muito tranquila para levar adiante as ações”.
(Sempre
que me vejo envolto nas sombras da ignorância, corro ao
pai-dos-burros a fim de dela escapar, mesmo que aparentemente a
matéria pareça fácil. Minha limitada inteligência me prega
frequentes peças e ai de mim se não fosse um sujeito
“esforçado”!...)
Fui,
então, pesquisar o que é, afinal, “coordenar”. Encontrei o
seguinte – coordenar é reunir ou dispor segundo uma certa
ordem, de modo a formar um conjunto organizado ou a atingir um
determinado fim. Ora, se o Secretário de Saúde do Estado não teve
o poder de pôr ordem na casa
a fim de atingir o fim a que se propunha, das duas uma – não havia
consenso quanto à meta ou faltou-lhe
poder mesmo. De fato,
é tudo uma coisa só. Caso tivesse carta branca do excelentíssimo
governador, teria o poder
de estabelecer a meta e as ações a serem executadas para atingi-la,
e quem na equipe não estivesse de acordo estaria fora.
O
diabo é que, por mais que faça nossa marrom imprensa para
encobrir os fatos por trás dos fatos,
os aparentemente tortuosos fatos por ela narrados não são nada
tortuosos. É ela própria quem procura entortá-los
a fim de esconder o que não é possível esconder. Nossa imprensa se
utiliza em demasia do eufemismo. Faz parte de suas entranhas
minimizar ou mitigar a importância nos fatos daquilo que sobre eles
tem suma importância. Eis aí um de seus mais graves pecados e o
que a torna uma vergonha para nós.
Alguém
dirá que a imprensa fez o seu papel, o de informar. Afinal, o
Secretário afirmou na entrevista: –“Foram mais problemas
técnicos que políticos. Já sabia dos problemas quando assumi. Não
consegui fazer com que a equipe trabalhasse de forma coesa”. Com
efeito, o homem seguramente não está sendo claro o bastante, mas é
justamente aí, na falta de clareza do entrevistado, que o repórter
precisa instigá-lo, provocá-lo, incitá-lo. Ao deixar de fazê-lo,
estará se recusando a melhor informar, estará renegando seu papel,
estará sendo parcial. Se ao provocar o entrevistado não conseguir
dele tirar a informação que busca, tem o
repórter o dever de lucubrar
o que paira às entrelinhas de seu discurso e deitar ao papel as
possibilidades de seu significado. Ao deixar de fazê-lo,
aceita pouco dos fatos acabando por omiti-los, como na referida
matéria.
Ainda
sobre a matéria, fica clara a situação caótica da Saúde no
Estado, em grande parte devida à redução do orçamento da pasta
aliada à “evolução das demandas”. Fico a me perguntar se o
doutor Lavor não saiu porque em seu íntimo sabe que é virtualmente
impossível se fazer alguma coisa por ela a partir do patamar em que
as coisas estão. A consciência de um homem de bem é seu maior e
mais austero juiz; não permitirá jamais que ele se alinhe com o
mal, com o erro, com o engano. Talvez, e aqui estou eu
a lucubrar, o doutor Lavor
saiba das palavras de Einstein – “a solução de um problema
complexo não está no mesmo nível em que ele foi criado” – e
tenha a plena certeza de que
está
diante de um problema complexo
o bastante para merecer uma solução que está noutro patamar.
Percebendo que dispunha apenas de “soluções” paliativas,
aquelas possíveis em nosso
baixo nível político, e
vislumbrando a quimera das
soluções reais e verdadeiras, somente
possíveis na nação que escolheu homens públicos de bom caráter e
comprometidos com a solução dos graves problemas da população,
escolheu sair. Entre fazer a política do faz-de-conta e o gozar da
paz de sua consciência, preferiu a segunda. Não seria capaz de
suportar seu dedo acusador a incriminá-lo pelo sofrimento e pela
morte de seus concidadãos oprimidos por um governo irresponsável e
incompetente.
No
portal do jornal a manchete diz: “Homem mata filho viciado em
drogas no Interior”. Três pequenos parágrafos no desenvolvimento
da matéria demonstram claramente que a mesma foi feita a partir de
um telefonema de alguém, talvez
o bodegueiro do “interior”.
O cerne da questão não importa. O jornal não chora nem
dá a mínima para o drama e o sofrimento humanos.
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