Não
me surpreendeu saber que o glorioso Brasil, que ao ano passado passou
a ter a terceira maior população carcerária do mundo, tem uma
população carcerária onde dois terços dela é de presos
provisórios, gente que ainda aguarda julgamento
(http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/06/1465527-brasil-passa-a-russia-e-tem-a-terceira-maior-populacao-carceraria-do-mundo.shtml
e
http://mundoestranho.abril.com.br/materia/qual-e-o-pais-com-maior-populacao-carceraria-do-mundo).
Do total de presos, 20,7% cumpre pena em regime domiciliar. No mundo,
as maiores populações de presos estão nos Estados Unidos e na
China. A distância que nos separa do primeiro colocado, os
norte-americanos, é expressiva – nossa população carcerária
corresponde a apenas cerca de 32,11% da deles.
Corrijo
o equívoco já ao início. Com efeito, fiquei bastante surpreso
quando soube que o país é o terceiro colocado. Aos meus olhos parecia
que o Brasil teria ou deveria ter a maior população carcerária do
planeta. Com mais de sessenta mil homicídios anuais, outras tantas
mortes no trânsito e mais tantos casos de corrupção em nossa
política, surpreende o fato de nossa população de criminosos
presos não ser a maior dentre todos os países. Desgraçadamente,
eis a grande e inegável verdade, não é assim.
De
relance e sem nenhuma dificuldade, afigura-se-nos o que grassa por
este desaventurado rincão sem que nenhuma oposição encontre: – o
crime. Ao contrário do que possa parecer, nossa população carcerária
está bem abaixo do que deveria, denotando a generalizada
incompetência de nossa justiça e de nossas polícias para prender e
punir perigosos criminosos e para libertar com celeridade os
injustiçados que mofam nesses verdadeiros calabouços que são
nossas prisões à espera de seus julgamentos, muitas vezes por terem
cometidos delitos menores. Muito se tem usado esses dados para lhes
apresentar como absurdos, aplicando-lhes a conotação da secular
injustiça social que se tem cometido no país. É o discurso de
nossas oportunistas esquerdas usando de sua persuasiva retórica
eternamente eleitoreira, repleta de evidências anedotais e
interpretações convenientes.
Sabe-se
que a justiça norte-americana é rígida e implacável com o
criminoso. Sabe-se também que sua polícia é bem equipada e
aparelhada, e que suas investigações são lastreadas em informações
contundentes obtidas por métodos científicos capazes de concluir
sem sombra de dúvidas. Uma gota de suor colhida no local do crime é
capaz de denunciar a presença do criminoso ali. A lista de provas
cabais é, então, apresentada ao suspeito que mente de maneira a
levá-lo à confissão inexorável. Se não hoje, horas ou dias após
o delito, amanhã, depois, daqui a um mês ou um ano, o criminoso há
de ser identificado, levado a julgamento e, conforme as provas e a
confissão, exemplarmente punido. Muitos trocam a pena capital, a
morte, adotada em alguns estados daquele país, pela prisão perpétua
tão contundentes e irrefutáveis são as evidências colhidas. Num
cenário final de evidências inegáveis a mentira é apenas um
primitivo recurso inicial a denunciar a ânsia de sobreviver. Como bem
explicou Schopenhauer, a fome e o medo da morte são os sentimentos
que manifestam o desejo de se preservar, de subsistir, de não se
permitir a aniquilação.
O
que se segue à condenação e à anunciação da pena é a sensação,
no seio da sociedade, de se ter feito justiça. Outros crimes serão
cometidos, todos sabem. Criminosos sempre existirão por mais
impiedosa e eficaz que seja a justiça. As punições exemplares, que
são muitas e que por isso lotam as prisões da nação mais poderosa
do planeta, nunca serão suficientes para prevenir o crime. Ainda
assim, a sociedade demanda e exige a punição exemplar porque
somente ela traz a sensação de justiça; somente ela é capaz de
pagar tributo à vítima e à sua memória; somente ela é eficaz
contra o criminoso, aquele criminoso que cometeu aquele
crime. Os estudos de criminologia seguem tentando entender seu objeto,
mas não se espera que se os concluam a fim de aplicar penalidades e
fazer justiça.
Por
aqui, grassam as ideias sobre reabilitação de criminosos. Nossos
pensadores e criminologistas parecem não entender que os que
trabalham, que os que são honestos, ainda que faltosos aos olhos de
Deus, não podem nem devem ser equiparados aos que atentam contra
suas vidas e contra seu patrimônio. Os que pretendem abolir o
patrimônio, esses lunáticos incorrigíveis e irresponsáveis,
pensam uma utópica sociedade que já se mostrou ferir de morte as
diferenças, a liberdade, a paz. Nossa idade da pedra lascada no
campo da investigação e no levantamento de evidências tem
favorecido o crime e o criminoso. Por isso as cadeias repletas de
presos “temporários” e vazias de assassinos e corruptos de
colarinho branco, perpetuando o ciclo vicioso da grassante injustiça.
Sim...
Alegar que nossas cadeias estão superlotadas é legítimo não para
dizer dos graves problemas sociais que perpetuamos, mas para dizer de
uma justiça jurássica e de uma polícia investigativa corrupta e
incompetente. Os problemas sociais se resolvem no campo da educação
e da economia. Tentar impedir que criminosos de fato sejam presos e
condenados na intenção de mitigar a exclusão social secular
nada resolve ou, na verdade, só contribui para amplificar o caos e a
sensação generalizada de injustiça e de barbárie. De fato, ao que
parece a violência interessa a alguém, dela alguém se beneficia.
Seriam os lunáticos irresponsáveis mancomunados aos tubarões da
corrupção os grandes beneficiados deste cenário de caos?...
Assim,
mais uma de inúmeras vezes vejo essa história da populosa população
carcerária do país ser usada para dizer alguma coisa que de fato
acaba não sendo dita, mas que, aos desavisados – o Brasil é uma
China de desavisados – soa como “é preciso acabar com esse
absurdo!”. Não há absurdo nenhum. E há: – cá fora, do lado de
fora das grades. Misturar questões sociais com questões criminais
enquanto nada se faz para endereçar nenhuma delas vem a bem da
confusão das ideias e ampliação do caos. Ambas demandam soluções
urgentes, mas a vida de inocentes não pode estar a mercê de
facínoras impiedosos só porque os negros são negros e os pobres
são pobres.
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