quarta-feira, 27 de maio de 2015

O PAÍS DA MORTE

          Não me surpreendeu saber que o glorioso Brasil, que ao ano passado passou a ter a terceira maior população carcerária do mundo, tem uma população carcerária onde dois terços dela é de presos provisórios, gente que ainda aguarda julgamento (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/06/1465527-brasil-passa-a-russia-e-tem-a-terceira-maior-populacao-carceraria-do-mundo.shtml e http://mundoestranho.abril.com.br/materia/qual-e-o-pais-com-maior-populacao-carceraria-do-mundo). Do total de presos, 20,7% cumpre pena em regime domiciliar. No mundo, as maiores populações de presos estão nos Estados Unidos e na China. A distância que nos separa do primeiro colocado, os norte-americanos, é expressiva – nossa população carcerária corresponde a apenas cerca de 32,11% da deles.
          Corrijo o equívoco já ao início. Com efeito, fiquei bastante surpreso quando soube que o país é o terceiro colocado. Aos meus olhos parecia que o Brasil teria ou deveria ter a maior população carcerária do planeta. Com mais de sessenta mil homicídios anuais, outras tantas mortes no trânsito e mais tantos casos de corrupção em nossa política, surpreende o fato de nossa população de criminosos presos não ser a maior dentre todos os países. Desgraçadamente, eis a grande e inegável verdade, não é assim.
          De relance e sem nenhuma dificuldade, afigura-se-nos o que grassa por este desaventurado rincão sem que nenhuma oposição encontre: – o crime. Ao contrário do que possa parecer, nossa população carcerária está bem abaixo do que deveria, denotando a generalizada incompetência de nossa justiça e de nossas polícias para prender e punir perigosos criminosos e para libertar com celeridade os injustiçados que mofam nesses verdadeiros calabouços que são nossas prisões à espera de seus julgamentos, muitas vezes por terem cometidos delitos menores. Muito se tem usado esses dados para lhes apresentar como absurdos, aplicando-lhes a conotação da secular injustiça social que se tem cometido no país. É o discurso de nossas oportunistas esquerdas usando de sua persuasiva retórica eternamente eleitoreira, repleta de evidências anedotais e interpretações convenientes.
          Sabe-se que a justiça norte-americana é rígida e implacável com o criminoso. Sabe-se também que sua polícia é bem equipada e aparelhada, e que suas investigações são lastreadas em informações contundentes obtidas por métodos científicos capazes de concluir sem sombra de dúvidas. Uma gota de suor colhida no local do crime é capaz de denunciar a presença do criminoso ali. A lista de provas cabais é, então, apresentada ao suspeito que mente de maneira a levá-lo à confissão inexorável. Se não hoje, horas ou dias após o delito, amanhã, depois, daqui a um mês ou um ano, o criminoso há de ser identificado, levado a julgamento e, conforme as provas e a confissão, exemplarmente punido. Muitos trocam a pena capital, a morte, adotada em alguns estados daquele país, pela prisão perpétua tão contundentes e irrefutáveis são as evidências colhidas. Num cenário final de evidências inegáveis a mentira é apenas um primitivo recurso inicial a denunciar a ânsia de sobreviver. Como bem explicou Schopenhauer, a fome e o medo da morte são os sentimentos que manifestam o desejo de se preservar, de subsistir, de não se permitir a aniquilação.
          O que se segue à condenação e à anunciação da pena é a sensação, no seio da sociedade, de se ter feito justiça. Outros crimes serão cometidos, todos sabem. Criminosos sempre existirão por mais impiedosa e eficaz que seja a justiça. As punições exemplares, que são muitas e que por isso lotam as prisões da nação mais poderosa do planeta, nunca serão suficientes para prevenir o crime. Ainda assim, a sociedade demanda e exige a punição exemplar porque somente ela traz a sensação de justiça; somente ela é capaz de pagar tributo à vítima e à sua memória; somente ela é eficaz contra o criminoso, aquele criminoso que cometeu aquele crime. Os estudos de criminologia seguem tentando entender seu objeto, mas não se espera que se os concluam a fim de aplicar penalidades e fazer justiça.
      Por aqui, grassam as ideias sobre reabilitação de criminosos. Nossos pensadores e criminologistas parecem não entender que os que trabalham, que os que são honestos, ainda que faltosos aos olhos de Deus, não podem nem devem ser equiparados aos que atentam contra suas vidas e contra seu patrimônio. Os que pretendem abolir o patrimônio, esses lunáticos incorrigíveis e irresponsáveis, pensam uma utópica sociedade que já se mostrou ferir de morte as diferenças, a liberdade, a paz. Nossa idade da pedra lascada no campo da investigação e no levantamento de evidências tem favorecido o crime e o criminoso. Por isso as cadeias repletas de presos “temporários” e vazias de assassinos e corruptos de colarinho branco, perpetuando o ciclo vicioso da grassante injustiça.
          Sim... Alegar que nossas cadeias estão superlotadas é legítimo não para dizer dos graves problemas sociais que perpetuamos, mas para dizer de uma justiça jurássica e de uma polícia investigativa corrupta e incompetente. Os problemas sociais se resolvem no campo da educação e da economia. Tentar impedir que criminosos de fato sejam presos e condenados na intenção de mitigar a exclusão social secular nada resolve ou, na verdade, só contribui para amplificar o caos e a sensação generalizada de injustiça e de barbárie. De fato, ao que parece a violência interessa a alguém, dela alguém se beneficia. Seriam os lunáticos irresponsáveis mancomunados aos tubarões da corrupção os grandes beneficiados deste cenário de caos?...
          Assim, mais uma de inúmeras vezes vejo essa história da populosa população carcerária do país ser usada para dizer alguma coisa que de fato acaba não sendo dita, mas que, aos desavisados – o Brasil é uma China de desavisados – soa como “é preciso acabar com esse absurdo!”. Não há absurdo nenhum. E há: – cá fora, do lado de fora das grades. Misturar questões sociais com questões criminais enquanto nada se faz para endereçar nenhuma delas vem a bem da confusão das ideias e ampliação do caos. Ambas demandam soluções urgentes, mas a vida de inocentes não pode estar a mercê de facínoras impiedosos só porque os negros são negros e os pobres são pobres.

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