Se
ainda vivesse, diria o grande mestre, grande professor e grande
cirurgião doutor Eduardo Régis Monte Jucá: –“Que vergonha! Que
vergonha!...” Doutor Régis via, da falha do atendimento ao
paciente – uma rudeza que fosse, um muxoxo por parte do médico –
à falha técnica durante o ato cirúrgico, a vergonha. Tais
atitudes trariam, em sua abalizada opinião, a completa desonra ao
profissional. Sei disso porque ouvi de sua própria boca, ao
presenciar a tal falha durante ato operatório; meneando a cabeça
com a expressão de desolação
estampada na face, disse:
–“Que vergonha! Que vergonha!...” Pensava ele no que diria o
profissional a seu paciente no pós-operatório quando se deparasse
com a eventual sequela...
Para ele, o embaraço havia de ruborizar o médico “vítima” de
tal situação.
Eis
que hoje Bella me envia mensagem dando conta da presença, no
Instituto Doutor José Frota, de uma comitiva repleta de autoridades.
Ao que consta, foram “visitar” o hospital. O leigo leitor, que
sobre este assunto não deveria ser leigo, há de se perguntar da
razão ou das razões que levaram tantas oficialidades – o
prefeito, secretários municipais, promotores de saúde, procuradores
de justiça e quem sabe até vereadores – a lá ir. É tudo muito
simples, caro e desavisado leitor: ontem vieram a público,
através das redes sociais, fotografias retiradas de pacientes –
não apenas um, mas vários
pacientes – recebendo atendimento e socorro médico deitados ao
chão do setor de Emergência daquela unidade de assistência médica.
As imagens ganharam o mundo e acabaram sendo publicadas hoje no
portal da Folha de São
Paulo(http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/05/1627805-com-saude-em-crise-ceara-atende-pacientes-no-chao.shtml).
Por pura impossibilidade de não publicar – se fosse possível não
publicariam – os marrons jornais locais também estampam hoje em
suas manchetes de capa a vergonhosa notícia.
Vejam
os leitores quão forte é uma imagem. Tanto que há o dito que reza
que ela, a imagem, fala mais alto que um milhão de palavras. Uma
imagem, um milhão; duas imagens, quatro milhões; três imagens,
nove milhões... e assim vai em progressão geométrica a vergonha a
se multiplicar. Sim, porque vergonha não é coisa que aumente pela
aritmética simples da adição.
A potência de uma imagem relacionada à exposição pública de maus
tratos, para com o ser humano, por parte de uma instituição pública há de despertar em cada um dos outros
uma espécie de revolta e, ao mesmo tempo, de vergonha coletiva. Por
que nossa sociedade permite que isso aconteça?, é o que pensamos de
imediato. E saímos a sentir vergonha de nós mesmos, um sentimento
tão baixo que nos leva a pensar em nós como vermes rastejantes e
gosmentos, desses que causam repulsa só de imaginar.
Em
seguida ou simultaneamente nos assalta a
revolta, pelo fato de termos
a convicção e a certeza – lá estou a falar novamente de certezas
– de que todos esses homens públicos e todas essas autoridades que
agora lá estão são,
juntamente conosco seus
eleitores, os
grandes responsáveis, ou melhor, os
grandes culpados
por tudo isso. Há,
entretanto, uma diferença. Observem
que, enquanto nós nos envergonhamos, elas, as autoridades, não se
envergonham. São, em útima análise, os responsáveis diretos por
esta situação escandalosa e lá vão apenas e somente
para salvar seu capital
político. Presumem que, ao estar presentes como que para avaliar
e tomar conhecimento do problema,
salvam-se da execração pública e salvam seus votos. Como se não
soubessem o que lá ocorre... como se não soubessem o que ocorre nas
ruas, o que ocorre nas fronteiras, o que ocorre nos tribunais, nas
assembleias legislativas, no parlamento da república, nas chefias
de governos... O que acontece
nesses pardieiros é, em suma, a causa desses pacientes atendidos ao
chão. Ali, em
suas casas de desonra e
conchavos, estão os que não se envergonham, os desavergonhados, os
sem-vergonha.
Dizia
Nelson Rodrigues que o que nos salva é o pudor. “Só
acredito nas pessoas que ainda se ruborizam”, dizia ele. Esses
senhores e essas senhoras, já dissemos um milhão de vezes, estão a
serviço da filosofia do faz-de-conta ora adotada pelo homem público
brasileiro. A visita destes voluptuosos seres ao Instituto Doutor
José Frota é apenas e tão somente
mais um ato de faz-de-conta. Não espere o leitor que algo vá mudar
neste cenário. Em mais alguns dias tudo será como antes. O episódio
será esquecido até que haja novo sobressalto.
Há que repensar tudo, mas as ideias que funcionam não nos
interessam. Fiquemos com as velhas e inúteis ideias, e façamos de
conta que as visitas resolvem os seriíssimos problemas de uma
sociedade que faliu há muito.
Em
meio a tudo isso,
há os que não têm do que se envergonhar, justamente aqueles que
prestam socorro ao ser humano prestes a morrer ou se ver sequelado,
mesmo que tenha de fazê-lo de forma indigna e desconfortável.
Afinal, o desconforto maior é o da vítima. Obedecem ao quote
que diz: “quando não se pode
fazer o que se deve, deve-se fazer o que se pode”. A
diferença entre estes brasileiros e aqueles
é justamente aquela entre o verme gosmento rastejante e a flor.
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