Os
que me leem há algum tempo sabem que sou um sujeito que sazonalmente
guarda certas obsessões. São, portanto, fixações temporárias e
passageiras. Nada que a ausência de um bom psicólogo não resolva.
Ademais, é frequente que tais ideias fixas sejam ligadas a algo com
que eu me divirta. Com elas não tenho pesadelos; com elas dou, isso
sim, boas risadas. Fiquem, pois, os leitores tranquilos quanto a
minha saúde mental.
Devo
dizer, caso alguém ainda esteja a desconfiar de minhas
justificativas, que tais obsessões são, de fato, obsessões nas
obsessões alheias. Por exemplo, o meu amado amigo Fábio de Oliveira
Motta.
Antes
de continuar, uma breve explicação. Sou dos sujeitos mais
agraciados com amigos que me seguem da infância até hoje. Vejam
bem: não reencontrei recentemente amigos que há anos não via.
Repito para que não persista dúvida: tenho amigos cuja vida é
comigo compartilhada desde a infância. A fim de dar uma ideia do que
digo, afirmo que tenho amizades cuja convivência já ultrapassa os
40 anos. Esses sujeitos são irmãos que a vida me presenteou desde
que me entendo por gente. O Fábio Motta é um deles.
Assim,
e voltando às minhas fugazes ideias fixas, o que parece ideia fixa
é, de fato, a persistência da amizade a me incitar e a me dar
prazer. O amigo que é irmão é mais íntimo do que o irmão de
sangue. Dele se conhece a dor, o prazer, a saudade, o passado, o
presente e o futuro... e as idiossincrasias mais intrigantes e
curiosas. E quando acontece de o amigo ser daquelas figuras ímpares,
aí a coisa toma ares impoderáveis. Pois é justamente aí onde se
encaixa o amigo Fábio Motta.
Outro
dia, não faz muito tempo, escrevi sobre ele – com efeito, e para
ser o mais sincero possível – escrevi sobre ele umas quantas vezes.
Na última falei sobre a mudança radical em seu lifestyle.
De homem de paletó e gravata transmutou-se em garotão de sungas e
t-shirts aderentes,
deslizando diariamente sobre ondas ferozes em manobras radicais e
espumosas; do homem sem tempo de antes, o Motta é hoje o homem cujo
relógio biológico anda para trás; dos uísques bebidos
freneticamente em quantidades nada moderadas, passou a beber açaís
e vinhos rebuscados, preocupadíssimo com a proporção Gay-Lussac.
Além do surf, Motta
pratica a
natação e entrou para um curso de apneia. Acorda
e dorme cedo. Tornou-se, enfim, a antítese do que era até há bem
pouco tempo.
O
que ocorre é o seguinte. Ao começo do mês fiz 54, e saí a
celebrar com amigos a data festiva. Fomos a um restaurante. Depois de
dar a desculpa indesculpável de que se atrasaria por já nem me
recorda a razão, chega o Motta. Apresentava-se mais magro, usando a
indumentária do adolescente que nele agora habita. De tão magro que
está, surgiram-lhe marcas e linhas do tempo nas faces coradas. Os
cabelos, escassos no alto do crânio, abundam em densidade e tamanho
nas partes laterais e posterior da cabeça de modo que, suspeito eu,
seria bem possível prendê-los com um desses objetos que as mulheres
se utilizam
justamente para lhes trazerem presos no que se conhece como
“rabo-de-cavalo”. A
vultosa e macia
cabeleira de nosso
Motta termina em ondulações abruptas que se assemelham a cachos,
dando a seu dono a aparência do que se conhecia aos anos 60 como “o
playboy” ou, sendo fiel à
boa gíria da época, “o
rabo-de-burro”. (Notem que rabo-de-burro
e rabo-de-cavalo nada
têm em comum, exceto o aspecto morfológico.)
Conversa
vai e vem, comecei a observar o novo hábito que o nosso querido
Motta adquiriu no esteio de sua mudança exterior. (Digo isso imbuído
de grande alívio já que uma mudança no amigo, por menor que fosse,
na personalidade e no caráter haveria de ser considerada por nós,
seus mais diletos irmãos, uma tragédia enorme.) Sentou-se defronte
a mim, de modo que não pude deixar de apreender
todos os detalhes de seu novo sestro.
Como os cabelos do homem lhe caem por detrás das orelhas, já que à
frente delas permanecem suas vetustas, vistosas e bem
cuidadas suíças, adquiriu
o hábito de mexer com os
cachos que lhe pendem por
detrás do pavilhão direito,
prendendo-os entre os dedos da mão ipsilateral ao mesmo tempo em
que os faz deslizar para baixo como a tentar endireitá-los e
esticá-los. Noutras vezes se
perde a enrolá-los, numa
manobra oposta à anteriormente descrita. (Por
certo há de ter vivido ou
existido mais de um ator ou
galã de cinema que costumasse assim proceder com sua invejável
cabeleira. Afinal, será que
o Motta quer ser visto como um galã de cinema? Se assim for, que
hipotético filme ele estrelaria? Seria “O Belo Surfista”? “O
Master do Surf”? “Menino Meninão Surfistão”?... Custa-me
adivinhar. Perguntar-lhe-ei quando o encontrar novamente.)
O
que sei é que o Motta gastou a noite inteira a amaciar e a espiralar
alternadamente seus novos
cachos. Só interrompeu o
ademane quando foi obrigado a usar as mãos para a refeição.
Terminado o repasto, voltou
ele incontinenti à ação.
Minto. A mania também cessou ao sobrepasto. Só mesmo uma boa comida
fez o homem se conter a seu novo tique. Era o velho Motta abrindo
espaço sobre o novo Motta.
O
que ainda não se sabe ao certo é se o nosso Motta ganhou os
frondosos cachos naturalmente ou se fez uso de algum artefato para
fabricá-los. Os que assistiram ao seriado mexicano Chaves
hão de se recordar da
personagem Dona Florinda, uma respeitável e pretensiosa viúva que
usa, as 24 horas do dia, uma quantidade exagerada de bobes no cabelo.
Presume-se que assim procede no intuito de impressionar o Professor
Girafális, seu eterno e reticente pretendente. A
pergunta que me fazia era a seguinte: será que o nosso amado Motta
está a usar bobes nos cabelos? Se usou, devo admitir: o homem mudou
além da conta! E como amigo-irmão, só me resta repreendê-lo
publicamente frente a possibilidade desse ato tão revelador: –Deixe de saliências, Fábio Motta!
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