sexta-feira, 16 de outubro de 2015

O RUBOR DO REQUEIJÃO

          Na fila do caixa, no supermercado, aguardo pacientemente a minha vez. Não pusera muita coisa no carrinho. Ela — essa senhora usando um chapéu de palha, óculos escuros e roupas esportivas coloridas, a alvíssima e delicada tez a permitir ver-lhe a delicada e verde-azulada trama vascular em seus bem torneados braços — aproximou-se impetuosamente e, mostrando-me um pote de requeijão lacrado seguro pela mão esquerda, pediu: —"Compra pra mim"?...
          Hesitei poucos segundos e, sem saber bem o que lhe responder, sorri meneando a cabeça e tomei-lhe da mão o frasco. Olhando para ele enquanto girava-o entre os dedos, disse-lhe: —"Tá bem"... 
          Percebendo meu constrangimento, achegou-se mais a mim e confessou: —"É que tenho câncer... Quer ver a minha cicatriz no peito"?, e já ia baixando a blusa. Segurei-lhe suavemente a mão para impedir o que ela estava para fazer, assegurando-lhe que acreditava nela. Condoído de seu drama — não dispor de uma pequena quantia para fazer aquela minúscula compra —, esfreguei o dorso de minha mão esquerda em seu rosto idoso num gesto de carinho e pus o frasco dentro do carrinho.
          Ela saiu da loja num misto de felicidade e acanhamento levando o pote de requeijão que havia de barrar-lhe o pão dali a pouco.

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