terça-feira, 6 de outubro de 2015

FOME MAIOR QUE A VONTADE DE COMER

EIS que no último sábado o nosso Fábio “Menotti” Motta nos enviou, na rede social, uma fotografia de Laurinha, em sua companhia, num jantar quase à luz de velas. (Já, já explico o “quase”.) Até agora ela se configurava para nós, os mais diletos amigos de Fememê, como um delírio de um solitário cinquentão em seus devaneios eróticos. Subitamente, entretanto, eis que surge a imagem da pequena.
Em nossa cruel e indiscreta incredulidade, nos assaltou a ideia de que – obrigo-me a assumir que, desautorizadamente, falo por todos – aquela pintura seria uma grosseira falsificação perpetrada por nosso amigo no intuito de nos ludibriar. Em resumo – aquela não seria, em hipótese alguma, a Laurinha de quem tanto falava o Fememê.
Porém, lá estava ela, esboçando um lindo sorriso de menina-moça. Sentada de frente para o amigo, Laurinha parecia estar à vontade na presença daquele cinquentão desconjuntado. Diria até que ele também não demonstrava nenhum constrangimento. Alguém poderia indagar: –“E por que deveria ele se intimidar”? Eu responderia que, naquele cristalizado instante, o cinismo o salvava de qualquer vergonha ou acabrunhamento. Fememê nunca foi homem de meias palavras. Nem de meias mulheres. Sempre as assumiu, sem largar mão veladamente de um ou outro de seus cachos. Dizendo de outra forma, Fememê sempre as teve em múltiplos de dois. Fração de mulher não o agradava. O mesmo não se pode dizer das pequenas quando se viam fazendo parte do harém de meu amigo. Alguém, ele mesmo talvez, dirá que estou a exagerar, e direi que a sonsice do sonso por vezes se confunde com sua mais ausente virtude. 
O envio da fotografia à apreciação dos amigos representava uma guinada digna de nota no comportamento do homem. Se antes não dava o menor indício de que pretendia introduzir a pequena ao convívio dos amigos – ou porque estaria a idealizar a mulher ou porque ela nem sequer existia –, agora fazia questão de expô-la descaradamente. Prova disso foi o convite que fazia aos amigos, juntamente com a fotografia, a comparecerem com suas respectivas consortes ao restaurante onde ele se encontrava com a jovem. A coincidência maior foi que o Sérgio Moura andava, justamente naquele momento, à cata de um casal amigo para estar com ele e sua mulher numa rodada de drinques em local a ser acordado. Fememê aproveitou-se da sobreposição dos fatos e convocou Serjão e sua mulher a comparecerem onde ele estava. E não somente o Serjão, mas todos os outros foram intimados. Resultado – ninguém foi. Ficaram todos os cinquentões no aconchego de seus lares, longe dos perigos mortais desta Fortaleza desgraçada e amaldiçoada. Fememê se viu, assim, livre para namoriscar a linda jovem, embora fosse evidente que estava a fazer uma força danada a que todos comparecêssemos ao lugar onde a jovem e ele estavam. A mim me parecia que não era sua intenção gozar da companhia da moça longe dos olhares inquisidores de quem lá chegasse. Nada disso seria propriamente uma novidade já que o Motta gosta de exibir suas conquistas como troféus em sua estante de atleta sexual. (Corre à boca miúda que o nosso Motta ultimamente só tem deitado em pranchas de surf e em sua cama de solteiro...)
Imperioso é acrescentar a essas notas um detalhe curioso, e que vem reforçar a última suspeita. Uma vez que ninguém se habilitou à companhia do mais novo casal, imaginei que o Motta repensasse o local aonde levaria a pequena. Sim, porque um jantar a dois é diametralmente diferente de um jantar em que mais pessoas se apresentam. O local onde janta um casal há de ser romântico e, diria até, afrodisíaco. A noite enseja sonhos e devaneios diferentes à mente do homem e da mulher, de modo que todo cuidado é pouco na escolha do lugar. 
Ao que parecia, Fememê estava com Laurinha numa pizzaria provida de forno a lenha. (Mais do que um bom conquistador, ele é um excelente garfo, o que pressupõe que dê ao estômago mais importância do que o que vai ao coração ou à área do córtex onde se processam as intrincadas conexões que geram a vontade de amar... ou de se abster de amar.) Repetidas vezes o homem deixou transparecer o estado deplorável de seu aparelho digestório, quase afogado nos sucos e secreções repletos de enzimas e ácidos diversos à espera da primeira garfada. Hormônios pancreáticos e mucosos fervilhavam, ao que se via, no sangue de nosso Motta, enquanto a beldade sorria para a câmera. Sobre a mesa apenas garfos, facas e temperos para acirrar o sabor e o paladar. Não se via a chama bruxuleante de uma única vela a dar contornos poéticos àquele inusitado encontro. Reinava, ao que parecia, a fome... Por tudo isso é que os amigos lançaram-se a uma guerra de sugestões de restaurantes românticos.
Tudo em vão. Nada disso funcionou. Motta queria a platéia de amigos, que não compareceu, e na falta desta serviria mesmo a de desconhecidos. Nem a ideia de jantar junto ao mar, nem a de jantar ao som do piano ao vivo em ambiente aconchegante, pouco iluminado e realçador da intimidade entre o homem e a mulher, uma vela acesa sobre a mesa apenas a mergulhar as faces de ambos na atmosfera de mistério que encanta os futuros amantes, por exemplo, foram capazes de demover o nosso Fememê Motta a sair daquela pizzaria na busca da aura fantasiosa de uma noite de lua minguante e melancólica como enleio de um jantar a dois... Venceram os hormônios e secreções entéricos enquanto as gônadas se encolhiam no ar quente-frio da perigosa noite fortalezense... 
Como findou a noite do casal não sabemos, e é até bom que não saibamos mesmo. Pensando bem, que tínhamos nós de nos infiltrar em assuntos dos outros? Fememê é homem maduro, quase podre. Não carece de amigos que o aconselhem sobre aquilo em que é mestre. Perdi meu tempo com conselhos inúteis e escrevendo estas notas que nada acrescentam ao résumé de meu amigo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O NARCISO DO MEIRELES

Moravam numa bela casa no Parque Manibura.  Ela implicava com ele quase que diariamente. Era da velha guarda, do tempo em que o homem saía c...