quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

ACORDA, BRASIL!

          “Acorda, Brasil! Acorda, Brasil!” é o imperativo que se tornou frequente na rede social. Todos ordenam, o dedo em riste: –“Acorda, Brasil!” (O dedo em riste é um produto de minha infantil imaginação, talvez um traço que me restou do zelo de minha mãe sempre que eu aprontava uma de minhas travessuras.)
          Na rede social é diferente. De fato, não cabe o dedo em riste quando dessa suposta arrogância, simplesmente porque não há aqui arrogância. “Acorda, Brasil!” é, na verdade, uma admoestação, um suave alerta, uma doce reprimenda. Diante de tantas mazelas e absurdos, o pobre e combalido brasileiro pede, implora, humildemente implora: “Acorda, Brasil!...” Ao dia seguinte outro absurdo, outra mazela inconcebível, outra fonte de decepção e desesperança... “Acorda, Brasil!”
       Confesso: – em meus ouvidos ouço o “Acorda, Brasil!” como uma súplica, um pedido de socorro, quase uma oração do brasileiro ao deus da ética. Mas, todos sabemos, não há tal deus. (Digo que ouço porque ouço o que leio com demasiada frequência. Somos leitores auditivos, sequela do bê-a-bá do jardim de infância.)
          (Sou do tempo do jardim de infância. Há ainda o jardim de infância?)
         Assim, entre o melífluo cave canem e a dolorosa súplica, há de existir uma zona onde a dor e o rogo se amalgamam. É, pois, assim, definitivamente, que ouço o “Acorda, Brasil!” da rede social. A outros outra interpretação ou sentimento aflorará. Sentimos exatamente como o outro? Nossas cores serão tão vivas ou tão pálidas como as de outrem? Ouvir-se-á o inconfundível dó maior como o ouve o ouvido absoluto? Que se há de fazer se somos tão diversos e amamos? enquanto outros odeiam...
      Mais do que tudo, o brasileiro espera. Dum spiro spero. A exposição de nossos absurdos e de nossas aflições na rede social é como o divã do terapeuta; é como o que vaia ou aplaude solitariamente na firme convicção da existência de cúmplices desconhecidos que se deixarão revelar à esta manifestação heroica. É uma luta que se iniciou, ou está para começar, ou já anda em pleno vigor da batalha. Uma guerra é uma guerra mesmo que as armas sejam as palavras apenas. “Acorda, Brasil!” é apenas como um tiro de festim, uma bala de borracha, uma bomba de efeito moral...
        Dirá alguém que me contradigo ao vestir a mesma expressão ao mesmo tempo em brancos panos e uniforme militar, coturnos e coletes antitiros. E direi que mesmo no Céu teve início a maior e mais duradoura guerra de que se tem notícia; mesmo no Céu se plantou a discórdia inicial e persistente; mesmo no Céu, onde habita o Altíssimo, plantou-se o ódio onde só havia amor.
      “Acorda, Brasil!” é isso. Um grito de guerra por amor a um país onde se plantou o ódio.

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