“Acorda,
Brasil! Acorda, Brasil!” é o imperativo que se tornou frequente
na rede social. Todos ordenam, o dedo em riste: –“Acorda,
Brasil!” (O dedo em riste é um produto de minha infantil
imaginação, talvez um traço que me restou do zelo de minha mãe
sempre que eu aprontava uma de minhas travessuras.)
Na
rede social é diferente. De fato, não cabe o dedo em riste quando
dessa suposta arrogância, simplesmente porque não há aqui arrogância.
“Acorda, Brasil!” é, na verdade, uma admoestação, um suave
alerta, uma doce reprimenda. Diante de tantas mazelas e absurdos, o
pobre e combalido brasileiro pede, implora, humildemente implora:
“Acorda, Brasil!...” Ao dia seguinte outro absurdo, outra mazela
inconcebível, outra fonte de decepção e desesperança... “Acorda,
Brasil!”
Confesso:
– em meus ouvidos ouço o “Acorda, Brasil!” como uma súplica,
um pedido de socorro, quase uma oração do brasileiro ao deus da
ética. Mas, todos sabemos, não há tal deus. (Digo que ouço porque
ouço o que leio com demasiada frequência. Somos leitores auditivos,
sequela do bê-a-bá do jardim de infância.)
(Sou
do tempo do jardim de infância. Há ainda o jardim de infância?)
Assim,
entre o melífluo cave canem e
a dolorosa súplica, há de existir uma zona onde a dor e o rogo
se amalgamam. É, pois, assim, definitivamente, que ouço o “Acorda,
Brasil!” da rede social. A outros outra interpretação ou
sentimento aflorará. Sentimos exatamente como o outro? Nossas cores
serão tão vivas ou tão pálidas como as de outrem? Ouvir-se-á o
inconfundível dó maior como o ouve o ouvido absoluto? Que se há de
fazer se somos tão diversos e amamos? enquanto outros odeiam...
Mais
do que tudo, o brasileiro espera. Dum spiro spero.
A exposição de nossos absurdos e de nossas aflições na rede
social é como o divã do terapeuta; é como o que vaia ou aplaude
solitariamente na firme convicção da existência de cúmplices
desconhecidos que se deixarão revelar à esta
manifestação heroica. É uma luta que se iniciou, ou está para
começar, ou já anda em pleno vigor da batalha. Uma guerra é uma
guerra mesmo que as armas sejam as palavras apenas. “Acorda,
Brasil!” é apenas como um tiro de festim, uma bala de borracha,
uma bomba de efeito moral...
Dirá
alguém que me contradigo ao vestir a mesma expressão ao mesmo tempo
em brancos panos e uniforme militar, coturnos e coletes antitiros. E
direi que mesmo no Céu teve
início a maior e mais duradoura guerra de que se tem notícia; mesmo
no Céu se plantou a discórdia inicial e persistente; mesmo no Céu,
onde habita o Altíssimo, plantou-se o ódio onde só havia amor.
“Acorda,
Brasil!” é isso. Um grito de guerra por amor a um país onde se
plantou o ódio.
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