Não
sei se têm TV a cabo. Se têm, sabem que a TV a cabo é paga pelo
assinante que, assim, se vê livre da péssima e ordinária
programação da TV aberta. De fato, quem tem TV a cabo não aguenta
mais a programação medíocre desta. E que não me venham de lá os
idiotas esquerdistas a bradar que a TV a cabo é coisa de burguês.
Não é. Basta passar em qualquer lugarejo viajando pelo interior
para se surpreender pela quantidade de antenas parabólicas em
casebres que mal se sustentam em pé. (A propósito, gostaria
verdadeiramente de entender como pessoas que têm antenas parabólicas
e moram em casebres conseguem receber o tal Bolsa Família. Penso que
o sujeito que acorda para mais um dia sem nem saber o que vai comer
não teria a mínima condição de pensar em ver televisão ou coisa
que o valha.)
O
diabo é que, hoje em dia, a programação da TV a cabo está igual
ou pior que a da TV aberta. Os apreciadores de cinema, por exemplo,
são obrigados a ver uma fita umas cem vezes antes que sua TV a cabo
resolva pôr uma nova película em cartaz. Esta, por sua vez, ficará
em cartaz pelo tempo necessário a que seja exibida outras cento e
cinquenta vezes. Em suma: – a TV a cabo se tornou uma sessão
interminável de tortura medieval. Poderia dar uma centena de
exemplos das evidências da falência da TV a cabo, mas ficarei apenas
no exemplo dos filmes por uma questão de preferência pessoal. (Hoje
acordei com uma inexplicável predileção por múltiplos e
submúltiplos de 100.)
Outro
dia, contudo, tivemos a sorte, Bella e eu, de nos depararmos com o
excelente “De Encontro Com o Amor” (Shadows in the Sun), de Brad
Mirman, que conta a história de um famoso escritor que nada consegue
escrever desde a morte de sua esposa, ocorrida 20 anos antes, e que
passa a viver recluso na Toscana. O romance entre a filha do escritor
e o jovem editor que o procura na intenção de relançá-lo é
apenas a cereja do bolo.
Outro
dia, soube que um amigo quis saber o que estava a ocorrer comigo.
Segundo consta, leu-me perplexo os últimos textos. Havia, para ele,
algo de errado comigo. Para ele, minha escrita estava esquisita,
pouco cômica, pobre do conteúdo de seu autor. Meus textos estavam
vazios de mim mesmo, pelo que pude entender. Tão logo soube dos
comentários, tive a certeza – havia, de fato, algo errado comigo.
Ora, como o Weldon Parish, o escritor de “Shadows in the Sun”
interpretado por Harvey Keitel, tem-me faltado algo. Diria que
fugiu-me a veia, a fluidez, a sensibilidade. No caso do escritor
fictício, a morte de sua mulher teria sido o evento catalisador de
um bloqueio artístico, de um colapso inspirativo, de uma escuridão
de ideias e de sentimentos. O amigo que comentou de mim – há um
tempo que não o vejo – sentiu o que eu mesmo venho sentindo faz
meses. Seu comentário foi sintomático e fundamental para a
ratificação de minha própria percepção de mim mesmo. Hei de
agradecê-lo quando o encontrar.
O
que teria “morrido” dentro de mim para que perdesse minha veia
artística? Onde estaria ela? Ou melhor, onde estaria eu?
Quando exatamente me perdi de
mim mesmo? e o que me fez murchar? Lembra-me agora quando
alguém disse, num passado já distante, que eu estaria perdido. Tal
comentário fez nascer em mim ali, na hora, como um aborto de uma
gestação sumária, o texto
(http://umhomemdescarrado.blogspot.com.br/2011/09/na-perdicao-do-sem-saber_679.html).
Vejam que as perguntas que faço agora muito se assemelham às que fiz então. Aquelas, à época, eram um escárnio, um deboche, uma
resposta à altura à pessoa que afirmou que eu estaria perdido.
É
bem verdade que minha “perdição” à época seria uma perdição
na própria vida, como se me faltassem metas e objetivos, e até
equilíbrio. Agora, minha perdição é outra, diferente, como se fora
um desligamento de uma parte de mim, a perda de uma função
cognitiva, de um talento que tanto reguei e que se fez morrer... foi
como um fenecimento lento e surdo, como o que morre à míngua sem
socorro, sem assistência e sem testemunhas... A constatação de meu
amigo é semelhante àquela do que encontra o cadáver oculto e
insepulto, jazendo ao relento, solitário e desconhecido, e que deixa
escapar à sorrelfa, de si para si: –“...está morto...”
O
que morreu sentia próxima a morte ou, ainda mais certo, não mais
sentia a vida. Era como se a vida estivesse, a princípio, suspensa,
em latência como um estágio larval às avessas, como um momento
intermediário entre o pulsar e o repouso de suas fibras... O amigo,
médico de excelente extirpe, diagnosticou a agonia que não sofre, o
momento antes do desfecho apenas. Pensa-se que toda agonia é dor, é
dispneia, aflição e ânsia... Não é bem assim, de fato. Ao que
parece o diagnóstico do amigo surpreendeu apenas um momento, um
instante inoportuno e talvez não definitivo, mas não menos
alarmante e preocupante.
No
filme, Weldon Parish reencontra sua arte e sua razão para escrever.
Reconhece o medo que o paralisa. E o vence apenas com as palavras.
Quanto a mim, onde estarão as palavras?...
Nenhum comentário:
Postar um comentário