quarta-feira, 22 de junho de 2016

AS DICAS

          "A Medicina Clínica não é uma Ciência, mas, sim, um ato de humanidade pedido emprestado à Ciência". (João Barbosa Pires de Paula Pessoa)

          Eis que encontro ali, nos corredores do Hospital Geral de Fortaleza (HGF), o meu querido amigo Serginho Pessoa. Éramos jovens meninos-médicos quando nos conhecemos. Hoje ele é um ícone e, mais que um ícone, ele é fiel depositário do enorme cabedal de conhecimentos médicos que lhe herdou seu tio, o professor João Barbosa Pires de Paula Pessoa, o doutor Pessoa, Professor Emérito da Universidade Federal do Ceará. Tanto é assim que escreveu e publicou pequeno volume contendo "As Dicas do Doutor Pessoa" onde, além das dicas, faz resumido relato de sua convivência com o Mestre.
          Nunca me esqueço de episódio sem importância ocorrido numa enfermaria da Emergência do HGF, quando presenciei a sabedoria do doutor Pessoa aflorar naquela espontaneidade e naturalidade que lhe eram próprias. Hoje, passados quase 30 anos, percebo a genialidade e a intimidade daquele homem simples com o conhecimento médico, o que não lhe removia a humildade e o humor, próprio daqueles que amam o ser humano e usam seu talento e inteligência para o exercício do bem. Não me lembra exatamente o que fazia eu ali, em pleno sábado pela manhã, numa das enfermarias da Emergência. O fato é que lá estava quando chega aquele grupo compacto de internos e residentes da Clínica Médica a seguir o Doutor Pessoa. Suas visitas aos sábados eram uma praxe, de modo que não me surpreendeu vê-los ali. Entraram na enfermaria e o Zé Gerardo, Residente da Clínica e hoje cardiologista em Sobral, aponta para um dos doentes ali internatos, indicando por onde o grupo deveria iniciar a visita. Doutor Pessoa vinha com as mãos nos bolsos ouvindo algo que lhe diziam ao ouvido. O doente tinha bom estado geral e estava sentado à beira do leito. Tinha lá seus 35 anos. Ainda não tinham dado dois passos em direção ao leito quando Doutor Pessoa olhou para ele e, com sua voz suave mas bem audível, disse, como a anunciar um veredicto:
          —"Cisto renal".
          O grupo, estupefato, queria saber como ele, que via o doente pela primeira vez, sabia o seu diagnóstico. E ele, sorrindo, foi explicar que um doente jovem com bom estado geral e aquela pletora facial seria um caso típico de cisto renal.
          Assim, Serginho Pessoa queria justamente me presentear com um exemplar de seu "As Dicas..." , o que me fez assaz feliz. Nele Serginho gravou, como em tábuas indeléveis, aquilo que o Mestre dizia em resumo, como se comprimisse os espessos tratados da ciência médica em conclusões pontuais, diretas e inolvidáveis. Tenho-o aqui em minhas mãos ao momento em que escrevo essas linhas. Em cada uma de suas frases abre-se uma janela para o infinito da ciência médica, e o conhecimento detalhado pode ser resgatado e analisado de acordo com o interesse do leitor. Doutor Pessoa deu-lhe a síntese; Serginho compilou-as a quem quiser ser analítico. É, sem dúvida, um trabalho maravilhoso. Oxalá os jovens médicos alcancem sua plena dimensão.

"A mentira cometida pelo médico justifica-se em três situações: para salvar um amigo fiel, para alimentar a última ilusão de um doente terminal, e para conquistar o amor de uma bela mulher". (João Barbosa Pires de Paula Pessoa)

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