Após quarenta
e oito anos de uma existência ativa e relutante, peço em alto e bom som: não me
amem! E requeiro: respeitem-me, pois que estou a respeitar a todos.
Haverá
sempre os que não pensam, ou que pensam que pensam, mas que pensam a partir de
equívocos e regras preestabelecidas e comprovadamente ineficientes em produzir
bons resultados. Vitimei pessoas em amores possessivos. O resultado é que fui
também vítima de tais amores. Criei um monstro, e por ele fui mordido. Ainda
hoje vejo pessoas a aprisionar seus amores, a criar os monstros que as mordem.
Uma pieguice sem tamanho!
Também
fui vítima dos amores essenciais, aqueles que os que nunca o tiveram reivindicam
nos divãs dos psicoterapeutas e/ou nas ruas da marginalidade. O paradigma
manda-me ser feliz por ter sido agraciado com tão nobre e “protetor”
sentimento, mas ainda este me mordeu. Não fosse minha maturidade plenamente
resolvida e assumida, eu estaria a chorar e a me afligir por culpas que não tenho.
Não
me amem, mas me respeitem, é tudo que peço. O amor dos homens não é pleno, e
cobra tributo. Sempre amam esperando a paga, que pode ser o amor em troca, mas
que pode também ser a matéria que pretende simbolizar o intangível. Quem ama
quer ser amado, dizem. Por isso, não me amem. Não me sinto disposto ao comércio
do amor, lamento dizer. De nada adiantaria se dissesse, em sinal de alerta, que
não garanto o retorno. Não bastaria ser sincero. Ainda que o fosse, estaria
endividado com quem diz me amar. Por isso, rejeito qualquer amor. Ou melhor,
aceito o amor distante, o amor da quase nenhuma interação, da quase nenhuma
convivência, do quase nenhum conhecimento. Esse é o único amor que me é
possível. E por quê? Porque me respeita, ainda que tal respeito seja imposto
pela volatilidade de meros e frugais encontros.
Respeitem-me!
Aceitem minha ilha de sensibilidade! Aceitem esse meu espaço vital! Ele é meu,
a mais ninguém pertence! Não está a invadir terceiros. Fartei-me das convivências que comentam de mim;
julgam-me, observam-me, resolvem-me, criticam-me destrutivamente, não me olham
nos olhos, e nunca me perguntam com a alma desarmada e repleta de genuíno
interesse: -“Como estás?” Fartei-me da insensibilidade dos que se furtam à
observação de minhas atitudes e comportamentos, e ainda nem em minhas palavras
acreditam. Por que agem assim? Por que insistem em não ver, em não me ver? Em
nada lhes posso ajudar. Sentir-se-iam privilegiados ante aqueles que só lhes me
permito ver em minha mais cínica superficialidade.
Respeitem
minha escolha que a ninguém fere, que nada de alguém subtrai. Minha abstração
quer demonstrar o respeito máximo que procuro ter pelo outro. Também me fartei
de minhas semelhanças com todos esses que me cansam. De mim mesmo senti tédio:
fui impelido à mudança. Quis mudar. Quis me revolucionar.
Ainda
assim, taxam-me. Litigam comigo no mínimo de tempo que gasto com eles. São os
que me amam. Concluí, então, que o amor - este amor - e o respeito que me devem
seguem caminhos opostos. Entre um e outro escolhi o respeito, pois que nele
está a demonstração do verdadeiro amor e do desinteresse. A paga que de mim
recebem, quando me amam com esse amor, não é a que demandam. Recebem de mim a
distância segura e o amor desinteressado. Recebem de mim minha visão frívola da
vida, ou, para não ser tão duro, minha visão desprovida das catarses e ilusões
da vida. Recebem de mim – não percebem porque são estúpidos em sensibilidade! –
legítimo apreço, consideração e, quando é o caso, gratidão e reconhecimento. Recebem
de mim tudo o que posso fazer em seu auxílio.
Ainda assim,
exigem minha punição pelo que consideram pouco que fiz. Seria como se nada
tivesse feito. Lutam a que a culpa me roa as entranhas, de modo que eu definhe
na prisão de minha autopunição. E, nesse momento, demonstram que não são tão
insensíveis assim: sabem-me responsável o bastante para me tentar imputar a
culpa. Ah! não fosse eu esse empedernido da vida!... Graças à minha ilha e ao
meu espaço vital posso sobreviver. Que seria de mim sem mim mesmo? A quem
recorreria antes do colapso?
Há aqueles que
julgam que me considero auto-suficiente, e que por isso me dou a esses
devaneios impróprios. Enganam-se. O que fazer com as mudanças que em mim
ocorreram? O que fazer com as camadas de células mortas de meu ser que foram
sacrificadas no altar de meus suplícios? Devo esquecê-las? Devo fingir que não
existem? Não seria possível, obviamente. Nada estaria mais longe de mim do que
eu mesmo. Como poderia me abandonar? Devo vitimizar-me como os que querem me
impressionar com suas próprias tragédias hipertrofiadas e desnecessárias? Isso
os faria felizes? Ah! ainda que pudesse, eu não o faria!
Não chega a
ser melancólico o descobrir-se invulnerável às manipulações alheias. O pesar
maior é surpreender em por quem tenho apreço a malícia da dissimulação a tentar
me abater o espírito. Em tempo hábil desmascara-se o estratagema, e não há
tempo para as decepções de praxe: de tudo é capaz o ser humano, quem quer que
seja.
Por tudo isso,
não me amem! Se esse amor vem para meu mal, prefiro que me respeitem. Antes o
respeito ao amor. Antes o respeito à liberdade ao ciúme que corrói. Antes o
amor próprio sublime e a auto-estima positiva à insegurança de quem se propõe
fazer alguém feliz. Antes a força interior para contribuir com outros a que
encontrem sua voz interior à definição brusca e tosca desse meu falso egoísmo.
Prefiro que me
tirem da memória, que me esqueçam o telefone, que me imputem as piores
qualidades de um ser humano. Prefiro ser canalha, um canalha mudo, que nada
responde, que nada resmunga, que não pretende se defender. Já vai muito longe o
dia em que tentei pela última vez a justificativa, a explicação, a ânsia de ser
entendido. Não me entendam. Não me amem. Respeitem meu laconismo. Minhas muitas
palavras, minha verborréia – que já alguém me apontou – guardei para estes que
as merecem, discurso vazio e inconsistente, onde me escondo e onde pareço o
imbecil que ri. Escarneço. Rio como uma hiena faminta.
Por isso
insisto em que não me amem. Peço que de mim desistam. Não sou o futuro de quem
quer que seja. Nada devem investir em mim. Se soubessem quem são e o que podem fazer,
não estariam a me buscar, a me pressionar, a me induzir a mais uma tentativa de
me manipular.
Tudo o que
quero é paz. Sem o seu amor, mesmo que não me respeitem, terei minha paz em meu
espaço vital, em minha ilha de sensibilidade, em meu silêncio pessoal, onde
minha voz cala para que eu ouça o que de mais profundo tenho em mim.
Você é inesquecível...
ResponderExcluirE não adianta tentar deixar de ser amado...és especial demais para passar despercebido.
Relutei muito em comentar,mas não me contive...
O seu melhor,muitas vezes nem você mesmo o consegue enxergar,o amor do outro não nos pertence,e se tivesse a oportunidade de mais convivermos veria o quanto és amado meu querido amigo,por nós,por muitos,por nosso PAI maior!
Aquele abraço gostoso no coração!