Outro dia comentei o artigo de certo articulista do The New York Times, o senhor Neal Gabler. Lá ele dizia do inexplicável interesse das pessoas, aos nossos dias, por informação sem qualidade, sem conteúdo, sem importância. E até alcunhei tal informação de "informação peito de homem" — a que para nada serve. O excelente resenhista se referia à boa parte das informações postadas nas redes sociais.
Ontem eu conversava com o meu amigo Padilha, e me parecia que algo o abatia; era uma inquietação que me chamou a atenção posto que bastante incomum para seu temperamento resignado. Dali a pouco me relatou seu drama: almoçava com uma amiga, que não parava de consultar o telefone. A intervalos muito próximos ela mexia no aparelho portátil e sorria ou fazia, a esmo, um comentário sobre algo ou alguém, como se nem ali ele estivesse. Estavam a prosear e não concluíam nenhum assunto devido às freqüentes interrupções por parte do telefone da jovem mulher, que sequer tomava algum cuidado em lhe pedir licença para ler as múltiplas e constantes mensagens que lhe chegavam. Eis aí toda a angústia do amigo, que fez das tripas coração para não ser grosseiro com sua companhia.
Pois não foi outra pessoa que não o próprio Padilha quem me relatou o seguinte fato do qual muito se tem a lamentar, já que selou o fim de uma amizade. Duas amigas estavam a conversar enquanto faziam um leve repasto ao final de uma linda tarde de verão, quando o telefone de uma delas, desses que fazem de tudo, iniciou a anunciar uma série de mensagens postadas para ela na rede social. Dali em diante o diálogo se tornou uma dessas impossibilidades irremediáveis. A outra se conteve o quanto pôde. Dentro em pouco iniciou uma ladainha de queixas contra o que considerava um falatório inconveniente e inapropriado da amiga. Não mais podendo se controlar em sua indignação, ergueu-se e se retirou pedindo-lhe que não mais a procurasse, e decretando entre elas o rompimento perpétuo.
Padilha me punha a par da outra história como que para embasar sua argumentação. Sua tese que, por sinal, mostrar-se-á, como logo verão, possivelmente verdadeira, é que esse frenesi das pessoas em participar continuamente do que se escreve e se publica nas redes sociais se deve a um sentimento de medo — o medo de estar perdendo alguma coisa caso delas se ausentem.
A rede social engendra em cada um uma sensação de deidade até então insuspeita e impensável. O sujeito tem a sensação de que pode estar em toda parte ao fazer uso da rede social. Ele ganha uma dimensão múltipla da qual não cogita, nem quer, abdicar. Mesmo que nenhuma informação fundamental ou diferencial lhe chegue através da rede, não aceita se desvincular daquela teia de blá-blá-blá, ti-ri-ti-ti. Em seguida, o pior — a vida real e a realidade das relações já nem tanta importância têm. Pode-se ser "amigo" de quem quer que seja sem se conhecer de fato aquela pessoa. Assim, o amigo real que está ao lado é relegado a um papel secundário nas interações do dia a dia. Tire-se pelos fatos relatados acima. São fatos. E tantos outros semelhantes hão de ter ocorrido mundo afora. Até seja provável que ninguém esteja em busca de informação — o que se quer mesmo é a segurança da relações superficiais. É isso tão possível que há indivíduos comuns que ostentam a marca de mais de 5 mil amigos! É ou não isso uma China de amigos? Cada um pense o que bem entender, mas este é um número altamente suspeito no caso de o indivíduo não já ser uma figura pública, como um político ou um artista.
Há mais. Hoje, nas redes sociais, surge a figura do amigo "pessoa jurídica". Esse tipo não é um indivíduo — é uma loja, ou empresa, ou escritório, ou repartição pública ou privada. Tornamo-nos "amigos" dessas instituições, que obviamente usam a rede como ferramenta de marketing. Em todo caso, e para todos os efeitos "reticulares", são amigos e assim devem entrar para a contabilidade. Afinal, a popularidade de um indivíduo, hoje em dia, tornou-se uma característica de peso em seu caráter. O sujeito pode ser um cretino de carteirinha, mas, se obter uma excrescente popularidade na rede, pode se considerar redimido de sua cretinice. Recordemos que essas são relações cuja profundidade uma formiguinha atravessaria com água pelas canelas, no dizer de Nelson Rodrigues. Aqui é possível ser amigo de tantos cretinos quanto se queira.
Só agora me dou conta do que me incumbiu o Padilha: traçar um perfil psicológico da rede social, ou do sujeito ferrenhamente afeito aos seus encantos e possibilidades inúteis. Falando assim parece até que estou a propagar que nada há que se possa tirar proveito nas redes, o que seria uma estupidez de minha parte. Na rede se pode incrementar o repasse de informação útil, necessária e pertinente. Ademais, é inegável que também é possível que nela se estreitem laços de amizades da vida real, e que lá se tenha a oportunidade de fazer novas e boas amizades. Não será tão difícil assim separar o joio do trigo. O que não parece salutar é se ter uma China de amigos enquanto se está trancado a sete chaves, ou desdenhar da presença dos amigos de carne e osso enquanto se dá atenção ao virtual. Isso seria inadmissível.