Emily Jane
Brontë era, segundo consta, tímida e solitária e, por isso, reclusa. Aguda, era
capaz de descrever muito do íntimo das pessoas sem com elas se relacionar.
Tentou lecionar, não conseguiu – sua timidez a impedia. Morreu de tuberculose
aos trinta anos, tendo escrito uma única obra em prosa. Escondia as
poesias que escrevia. O diabo é que ela viveu no século XIX, quando ainda não
havia computadores nem internet.
Imaginemos agora
a senhorita Brontë vivendo aos dias de hoje. Em primeiro lugar, não teria
morrido de tuberculose. A menos que vivesse num país miserável, ela teria uma
chance próxima a 100% de ter sobrevivido. Em segundo lugar, faria psicoterapia e
teria sua inadaptabilidade sob controle ou, no mínimo, aprenderia a lidar com
ela, seja lá o que isso queira dizer. Em terceiro lugar, estaria em pelo menos
um site de relacionamento ou rede social.
Em que a rede
social ajudaria esta pobre, solitária e sensível senhorita? A medicina e a
psicoterapia teriam dado a sua contribuição. A rede social teria algo a lhe
oferecer? Uma coisa é certa. Os fatores que se combinaram para levá-la a
escrever seu único romance, cuja tensa atmosfera nos faz conjeturar sobre as
tempestades que assolavam aquela criatura, não o teriam feito, e hoje não
estaríamos a ler “Wuthering Hights” (O
Morro dos Ventos Uivantes). Mas,
e as redes sociais na vida de Emily Brontë?
Imaginem aí os
senhores e as senhoras o seguinte – a senhorita Brontë no Facebook. Escreveria lá, em seu perfil, que teria seis irmãos,
deles um único homem que, por sinal, seria alcoólatra. Mas esse último dado ela
omitiria, que a ninguém interessa as mazelas de sua família. Nem confessaria os
maus tratos de sua austera tia, que com a família veio morar após a morte de
sua mãe. Escreveria diariamente recadinhos curtos para suas queridas irmãs,
Charlotte e Anne, ambas escritoras e poetisas, e perguntar-lhes-ia sobre os novos poemas que
teriam escrito. Trocariam publicamente, nesse Facebook hipotético e surreal, carinhos e elogios desmedidos, cuja
desproporção causaria reservas a uma criancinha pequena. E diariamente exporia
as saudades que ainda sentia da velha e boa Thaby, a mais doce secretária do
lar que já existiu.
Enfim, é
bastante provável que a jovem Emily Brontë gastasse boa parte das horas de seu
dia espantando e exorcizando sua imbatível e ininterrupta solidão nesse onírico
Facebook. Para ela, ainda que suas
sessões de psicoterapia estivessem ajudando bastante com sabe-se lá o quê, sua presença
diuturna na rede social a ajudaria mais ainda. Lá ela poderia impressionar, falar,
ser quem era e quem não era, poderia se reinventar, se promover, amar, odiar,
informar, se informar, enfim, sair de si mesma e da prisão de si mesma.
Poderia, na rede social, ter uma vida diferente daquela que vivia. Ou, melhor,
da que não vivia. De fato, lá viveria,
como muitos dirão.
A conclusão óbvia
seria a de que a rede social tem lá a sua importância como palco de algumas
vidas e, quem sabe, seria um coadjuvante de peso no tratamento de muitas e várias
inadaptabilidades da vida moderna. O que seria dessas almas feridas se não pudessem
viver n’algum lugar onde pudessem ser e não ser, fazer e não fazer, amar e não
amar? Por outro lado a tal rede estará sufocando e reprimindo uma penca de
talentos. A arte é a catarse do sofrimento. Cessado este, cessa aquela.
Quem seria
Emily Brontë ao tempo deste Facebook?
Excelso, Explêndido! Gostei Fernando.
ResponderExcluirQue orgulho desse médico cronista cearense;que não sei dizer ,se mais médico que cronista ou tudo misturado! Emily Brontë,se tivesse nascido em nossa contemporaneidade,certamente agora sentiria-se assim como eu, assoberbada,de ter em minha página do face e do Blogspot, um escritor que faz da palavra os mais belas e encantatórias reflexões da vida cotidiana,sobre assuntos diversos.Parabéns,amigo Fernando Cavalcanti,por mais um texto primoroso!
ResponderExcluirZinah Alexandrino