Vejam vocês
que certas profissões são ofício de 24 horas. O sujeito que é padre é padre
enquanto dorme, mesmo que esteja a sonhar com a mulher melancia. Vamos e
venhamos, não somos culpados por sonhar. Ninguém há de condenar alguém, mesmo o
pobre sacerdote, por ter sonhos libidinosos. E, no caso, nem será necessário lançar
mão de argumentos freudianos para explicar por que cargas d’água um padre sonha
com a mulher melancia. É perfeitamente compreensível.
Da
mesma forma o médico. Em que pese o fato de alguns julgarem despir-se do
celibato tão logo lança o jaleco ao cesto de roupas sujas, é ainda mais médico quando
chega à casa do que no hospital. Lá, no hospital, a função se dilui entre
outros da mesma estirpe, e o que um não faz o outro fará. Em casa não. Se o
buscam aí, terá que dar uma solução ao caso, nem que seja o atestado de óbito,
que Deus o livre. E se o procuram no bar, quando estiver a bebericar com comparsas?
O pileque torna-se, para aquele ce-erre-eme, um escândalo de proporções tremendas.
Como diz o apóstolo, tudo podemos, mas nem tudo nos convém. Em suma, ser médico
é também função de 24 horas. Vê-se por todo o exposto que não convém ao padre
dormir nem ao médico bebericar.
Contudo,
somos humanos. E falhamos. E, se falhamos, que no máximo a falha seja uma titica
de nada. Até porque há falhas e falhas. A do padre reside nas profundezas do
subconsciente onde o id rosna como o leão liberto das amarras do superego que
ronca. Que se pode fazer? “Orai e vigiai para não cair em tentação”. Não vigiou...
O
pior não é nem o médico que, se não estiver de serviço como o soldado na
guarita do quartel, e se não houver mexido nas entranhas do povo momentos
antes, pode até se dar ao luxo de bebericar e consultar. De preferência por
telefone, de modo a que não lhe cheirem o bafo de tigre. Ninguém há de merecer.
No consultório jamais, que não pega nada bem. E ainda por cima sem excessos para
não perder a compostura. Há que se lembrar, como exemplo, um mau exemplo, o último
presidente da república, várias vezes flagrado por câmeras fotográficas em visível
estado de libação alcoólica. E põe libação naquilo!... Vejam que o sujeito se
deixar perceber bêbedo numa fotografia é porque está a deixar Dionísio cheio de
inveja e temendo perder-lhe o posto de deidade do descomedimento. Toda uma nação
viu. Um pileque testemunhado por quase 200 milhões de expectadores deveria ir
parar no livro dos recordes, sob qualquer aspecto de sua grandeza.
Pois
não foi o que me ocorreu outra noite
quando estava a bebericar com amigos. Meus pileques não são pileques – são arroubos
de felicidade e sorrisos. E aqui perceberão que, muitas vezes, é a consulta que
nos fazem, aos médicos, a maior inconveniência. Desde que inventaram a
engenhoca que é o telefone portátil que, por medo de perder alguma oportunidade
ou qualquer outra coisa que nem sabemos se nos interessa, nos enfronhamos
muitas vezes em situações periclitantes.
Estou
ali na Zug e me toca o maldito/bendito telefone portátil. Já eram umas horas de modo que, ou a coisa era muito boa, ou era muito ruim. No display estava escrito: AMORIM. Assim mesmo,
em letras garrafais. Não se trata da presbiopia, que esta se compensou com a
pouca miopia. Os nomes em letra maiúscula em minha agenda denotam o grau de importância
do amigo, ou o grau de perigo que representam. O caso do Amorim se reveste de
uma dualidade explicável.
Atendo.
A voz do homem denunciava seu dionisíaco estado. Parecia que a língua se lhe
misturava entre os dentes, ou que os dentes estivessem soltos e a língua tentasse
mantê-los quietos enquanto falava. Ao início nada entendi, mas em dois tempos a
coisa se fez clara. Como o amigo é, além de pau d’água, um hipocondríaco de
carteirinha, estava “passando mal”. E dizia: -“Não tô conseguindo... não tô conseguindo...”
Eu perguntava: -“O que não estás conseguindo, homem?” Ele apenas dizia: -“Não
consigo, Fernando... não consigo...!” (O ponto de exclamação é a minha
tentativa de exprimir sua entonação de exaspero, frustração e indignação.) Dali
a pouco ele diz: -“Tô aqui com uma menina... ela vai falar... fala aqui com
ela...”
Houve
uma pausa mais ou menos breve, preenchida por sussurros ao fundo, como se a
mulher hesitasse em falar ainda que o amigo insistisse. Ela disse: -“Oi, aqui é
a fulana. Estamos aqui no motel e ele não consegue ter uma ereção... Quer saber
de você o que deve fazer.” Percebi o risinho de escárnio da garota por estar
falando com outro homem a fim de que ele resolvesse o problema de ereção de seu
“cliente”. Ela provavelmente jamais passara por semelhante e hilária proeza.
Um
processo de ira começou a se instalar em mim. Essa o Amorim havia de me pagar, aquele
pulha! Falei pra garota: -“Meu amor, faz aí um coquetel de Viagra e boquete nesse
filho da puta. Se ele não levantar, amanhã eu amputo esse troço!” E “bati” o
telefone na cara dela.
Pergunto:
foi pra isso que me formei? Tenham a santa paciência!
Fala sério!
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