segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

O ônus da amizade


Vejam vocês como o sujeito está vulnerável a todo tipo de impropério por parte dos amigos. Inda mais hoje em dia, ao tempo das redes sociais, onde tudo se publica e tudo se divulga, o sujeito em casa nem sabe o que se está a ventilar a seu respeito. Se não se ligar às redes ficará mais alienado que cachorro com dor de dente. (Suponho que já tenham visto um cachorro com dor de dente.)
Dito isso, passo a relatar o que me ocorreu em espaço de tempo menor que a prenhez de uma Escherichia coli. Foi precisamente o seguinte, tudo escancarado na rede social. Antes, porém, um breve comentário referente a uma curiosidade vernacular no ambiente da rede social, e envolvendo seu próprio nome. Outro dia eu comentava que nós brasileiros somos, em tese, uma nulidade em matéria de ciência. Nada descobrimos, nada inventamos, nenhuma descoberta científica fizemos que mudasse a face do planeta. Os ufanistas, discípulos do já antigo Policarpo Quaresma, hão de me jogar enormes paralelepípedos citando Santos Dumont e seu 14 Bis e direi que há controvérsias. Vide a história dos irmãos Wright. Não minto. Pois também a rede social não é invenção de brasileiro, e por isso mesmo seu nome não se pronuncia em português. Há até o filme a contar a história dos garotos que a criaram. Eles são brancos, loiros e falam inglês. Dito isso, e sem saber por que o disse, relato o fato.
Uma querida amiga escancarou na rede social a sua cruel e implacável insônia. Não conseguia dormir. Há sei lá quantas noites não dormia. Sua frustração era tão intensa que não lhe restou outro remédio que não fosse difamar seu algoz, a insônia. Tornou-se, naquele exato momento, a insônia mais difamada de que se tem notícia. Tão execrada foi a insônia de minha amiga que temo que ela, a insônia, a processe por calúnia. Mas o fato é que estava lá na rede social a mais pública insônia de todos os tempos.
Minto. Houve na rede social, recentemente, uma outra exposição pública ainda mais notória e excrescente: a de uma cólica menstrual. Melhor dizendo, não foi uma cólica menstrual – foi uma tensão pré-menstrual, a conhecida TPM. Uma outra amiga a levou a público tamanho o sofrimento que a tal cólica – fiquemos com esta por ser, ao que parece no caso de minha amiga, o sintoma cardinal de sua TPM – lhe trazia. Queria, como a primeira amiga, caluniar a miserável da cólica. E fez pior – fotografou a cólica. Imaginem os senhores a foto de uma cólica. Muitos a viram. Estava, na rede social, como o cadáver do gato à beira da estrada após o atropelamento. E, se querem mais detalhes, lhes adianto – foram, na verdade, inúmeras fotografias a compor um desses painéis que muitos adolescentes têm em seu quarto de dormir. A cólica foi fotografada em todas as posições – em pé, em decúbito dorsal, em decúbito ventral, de lado, com o travesseiro entre as pernas, com o travesseiro na barriga, com um lenço a cobrir-lhe os olhos, e assim por diante. O quadro era tão dantesco que cheguei, eu mesmo, a sentir a cólica a me importunar. Ela ganhou até nome – alcunharam-na de "amostra grátis de parto". Por aí se tem uma idéia do drama.
Mas – ainda sobre a cólica, que a esta hora deve estar a consultar seus advogados – há pior, como diria o Nelson. Quase duzentas outras cólicas se apressaram a comentar a de minha amiga. Foi uma tempestade de cólicas a se solidarizar com aquela, fato que me faz supor que um eventual processo por difamação e calúnia há de ser considerado como um "mau direito" da parte da cólica ultrajada em sua privacidade violada.
Voltemos à insônia caluniada de minha primeira amiga. Um amigo, na tentativa de ajudá-la, sugeriu escancaradamente na rede social, e já armando o bote pra mexer comigo, que ela procurasse a minha ajuda. Ela respondeu: -"Esse aí tá mais pra causa que pra cura de insônia!" Confesso: pus-me a gargalhar na rede social. Sim!, hoje é possível se gargalhar na virtualidade e na rede social! Foi realmente muito divertida e espirituosa a tirada de minha amiga, própria dos de inteligência aguda e digna de elogio, não fosse por um detalhe: expôs-me na rede social. Fiquei tal qual sua insônia e tal qual a cólica da outra donzela – difamado e caluniado.
Minha amiga, que exerce a nobre profissão dos causídicos, bem sabe que eu poderia levá–la às barras da justiça por tão engenhosa e gostosa pilhéria. Entretanto, como me bem conhece e sabe que me dou melhor com o falso vitupério que com o falso elogio, presume acertadamente que nem de longe teria a intenção de agir nesse sentido. Afinal, aos amigos tudo é permitido. É o "ônus" que se paga para tê-los.

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