quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Resenha do Mesquita

  Eis que hoje, numa dessas surpresas que nunca se espera ter, ligou-me a mulher de meu amigo Mesquita. A surpresa é fácil de entender: a mulher do Mesquita nunca usa seu telefone portátil. De tanto não falar ao telefone portátil suponho que sua conta não passe dos impostos nela embutidos mais uns trocados. Não chegaria a, digamos, 10 reais. Uma mixaria. A bem da verdade, custa-me entender que ela insista em possuir o aparelho.
         Fez um pedido. Queria que eu escrevesse um "improviso" para ler ao dia do grande rega-bofe que se aproxima, o aniversário do marido. Queria que eu fizesse uma homenagem a ele e a nós, seus amigos desde as fraldas. E argumentou o óbvio – nós, amigos desde as fraldas, o conhecemos há muitíssimo mais tempo que ela. Foi o bastante para me convencer a pensar no assunto. Sim, porque não sou dado a escrever "improvisos" a serem lidos para uma multidão. Ainda agora estou absorto a pensar no caso.
          Escrevo, não escrevo; escrevo, não escrevo... eis a dúvida crudelíssima. Que direi? A memória me transporta ao início dos anos '70, quando conheci o Mesquita. Era um garoto como outro qualquer – éramos mirrados e sadios. Nada de excepcional há que relatar sobre o então menino Mesquita. Éramos danados, sonsos, curiosos e felizes. O grande lance de todos nós ocorre à maturidade, como a seguir verão.
          Conhece-se um homem pelos seus gostos. De que gosta o Mesquita? Direi que gosta do que é bom. Conclui-se de imediato que é um bom homem o Mesquita. Dirão que todos gostam do que é bom e, contudo, nem todos são bons. Direi que não, que os maus gostam do que é mau, eis a verdade. Em suma, Mesquita gosta de virtudes, e isso o faz excelente. Esse, sim, é o grande lance da maturidade de meu amigo, posto que é conhecido o fato de que muitos se corrompem à medida que "amadurecem". Meu amigo ainda é, para mim e para os outros que o acompanham desde há 40 anos, aquele menino, aquela criança alegre e danada. Quando o olho não consigo ver outra coisa senão pureza, senão ludicidade, senão o que é bom. Direi ainda mais, atendendo ao pedido da senhora Mesquita – hoje os maridos não mais dão seus nomes às mulheres – somos, Mesquita e seus jurássicos amigos, todos bons porque não existe amizade entre maus, como atestou Marco Túlio Cícero. 
          Há, não obstante, sobre o Mesquita, sérias acusações por parte de "setores" de seu círculo de amizades. Acusam-no de ser cobaia, glutão e hipocondríaco. Apurei, como seu dos mais chegados amigos, e no intuito de defendê-lo em tribunal se preciso for, todo o caso e passo e expô-lo agora para que os senhores tirem suas próprias conclusões.
          Ora, saibam que o Mesquita sofreu,  em tenra idade, sério acidente automobilístico que o levou, com o passar do tempo, a uma seqüela incômoda – uma artrose de coluna cervical. Precisou ser operado. A operação, realizada aqui mesmo por certo pica-grossa das bandas de São Paulo, foi um sucesso, restando a meu amigo apenas uma discretíssima seqüela  deglutiva. Quando o amigo engole, pende a cabeça para o lado, sempre o mesmo lado, como a dirigir o bolo alimentar na direção correta. O diabo é que, para ele, o responsável pela minimíssima mazela não foi o pica-grossa paulista mas o renomado cirurgião cearense que lhe assistiu à operação. Como pode?, muitos indagarão. Explico.
          Quando se lhe apresentaram as dores no pescoço, anúncio da artrose, Mesquita procurou o competente cirurgião local que, após avaliação criteriosa e cuidadosa, informou: -"Não tenho experiência neste tipo de operação!", e lhe sugeriu o operador sulista que por aqui  passava uma temporada não se sabe fazendo o quê. Assim, foi o amigo para a mesa de operação para ser operado pela dupla, o cirurgião cearense funcionando como auxiliar do outro. Ocorre que, por obra da baixa biodisponibilidade das drogas anestésicas ou de uma dormitada do anestesiologista, Mesquita ouviu quando o paulista disse ao cearense: -"Faz você qu'eu te ajudo!" 
          Assim, as frases "Não tenho experiência neste tipo de operação!" e "Faz você qu'eu te ajudo!" não saiam da cabeça do Mesquita como a causa de sua seqüela. Crê, no mais íntimo de seu ser, que foi operado pelo cirurgião cearense, o que não reunia experiência com "aquele" tipo de operação. Em suma, acredita ter sido usado como cobaia pelo cirurgião cearense. E – pior! – passou a alardear pelos quatro cantos do planeta seu status de cobaia. Dizem que, chegando em França, numa viagem com a mulher, foi logo anunciando ao hotel: -"Sou uma cobaia! Exijo respeito!" Resultado: os amigos lhe puseram o apelido de "cobaia". Afinal, para que servem os amigos?
          Bem conhecido é o zelo com o qual o Mesquita trata suas doenças. O homem tem prostatite, sinusite, artrite, laringite, paroníquia e viroses recorrentes. Bem conhecida ficou sua "virose cérebro-muscular" que o acometeu há poucos anos. Gastou todo o dinheiro do plano de saúde em exames e consultas apenas para concluir que tivera uma "virose cérebro-muscular". O médico que o assistiu nunca ouvira falar de tal entidade nosológica e até hoje a desconhece, mas o diagnóstico foi dado pelo próprio Mesquita. Por exclusão, diga-se  an passant.
          Está aí o Motta que não me deixa mentir – Mesquita tomou antifúngico para uma micose na unha do pé por seis meses. E a micose já invadia-lhe quase todas as unhas e o homem seguia a ingerir o tóxico medicamento na crença de que curaria. Resultado: a micose hoje é sua fiel companheira e lhe ataca apenas uma das unhas. 
          E as viroses "comuns"? Quantas viroses "comuns" teve o Mesquita!... Faltou várias vezes ao "racha" por causa das malditas viroses. Ano passado, salvo engano, foi acometido 12 vezes de viroses " comuns", uma a cada mês, portanto. Funga mesmo sem ter o que fungar durante suas recorrentes viroses. Quando funga mesmo decreta: -"É a sinusite!" E sai a fungar pela casa como um tísico sem tosse que, a propósito, raramente tem. Se tiver exige de imediato uma chapa do pulmão. Pode ser uma pneumonia!
          Assusta no Mesquita sua fortaleza diante de tantas doenças. Acreditem – o homem não perde o apetite quando está doente. É justamente o oposto. Quando adoece o Mesquita é acometido dessas polifagias ferozes e ilimitadas. Durante a virose "cérebro-muscular", por exemplo. Seu desjejum era um... não! – dois copos de liqüidificador de uma densa  bananada barrados com três ou quatro sanduíches de ovos, com presunto, queijo e outras coisas mais leves.  Estava doente às pampas mas sua tez parecia ainda mais saudável e corada. Por isso, e somente por isso!, dizem-no um incorrigível glutão. No almoço o homem come, e mesmo "doente", comia mais que um cavalo no pasto. O jantar? Nem descreverei, posto que já me empacha só de falar.
        Agora, digam-me os senhores: tem esse povo, essas más línguas, razão em classificar o meu amado amigo como cobaia, glutão ou hipocondríaco? São uma súcia boquirrota e verborréica! Isso sim!

3 comentários:

  1. Fernando,
    Esse seu amigo Mesquita tem toda razão dos amigos lhe chamarem de cobaia, glutão e hipocondríaco! Eita que é muita coisa para uma só pessoa!
    Só um amigo de tantos anos para falar tão bem de um amigo! Ele vai adorar o seu texto! :)
    Beijos
    Adriana

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  2. Caríssimo,amigo Fernando Cavalcante,seu amigo aqui em questão,personagem fictício ou não,dessa crônica,eu diria ser "um caso para estudo"...nunca vi uma pessoa só, ter tanta doença dos "ites"...ainda bem que com essa vunerabilidade peculiar às doenças ,também não adquiriu as "dos pássaros"( Bico de Papagaio,Esporão de Galo,Peito de Pombo e cia)(risos)

    Continue nos trazendo à lume em suas crônicas as sagas hipocondríacas ou não, de seus amigos.

    Boas fruições literárias!

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  3. Que texto fantástico e maravilhoso! Salvando este blog entre os meus favoritos.

    Abraço!

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