terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

A fracassada missão de Amorim


           Passados vários dias após nosso último encontro, volto a encontrar o Amorim ao calçadão. Ao ver-me de longe, sorriu um sorriso entre o pálido e o amarelo. Sabia que eu lhe perguntaria sobre o desfecho de seu caso com a noiva indignada. Aos que não se recordam faço um resumo.
          A noiva de nosso homem pilhou-o numa conversa com um amigo onde lhe relatava o que a ela pareceu somente uma de uma série de infidelidades contumazes. Eis aí tudo. Mais resumido do que isso, impossível. 
          Fui direto ao assunto. Disse-lhe: -"Conseguiste reverter a situação?" (Ele viajara para encontrar a noiva e tentar se explicar.) Fez um segundo de suspense e respondeu sem responder. Explico. A resposta que deu não se enquadra em nada classificável entre "sim"  e/ou "não". Eu a classificaria como uma deslavada tergiversação. Fez um desses rodeios intermináveis para nada dizer. Ao fim do périplo, fuzilou: -"Sou galinha, ora bolas!" 
         Ora, o meu amigo me saiu com uma obviedade tão perversa que uma leve tontura pareceu se apoderar de mim. Entrou, após a desnecessária confissão, a falar sobre sua intenção de permanecer solteiro ad eternum, de seus temores sobre novo enlace matrimonial adquiridos ao êxito desastrado de seu primeiro e único casamento, da divergência com a noiva sobre a questão de ter filhos, e assim por diante. Percebendo tudo, tornei óbvio meu açodamento. E assim nos despedimos.
          Ficou, porém, em mim a nítida impressão de que ele saiu da noiva escorraçado como um bicho peçonhento e contagioso. Daí a sua aparente inexplicável tergiversação. Sabe-se da dificuldade do homem em admitir que perdeu ou que foi mal sucedido em missão de reconciliação com uma pequena. Lembremos que meu amigo mais temia perder sua (falsa) ilibada reputação do que propriamente o amor e o respeito da jovem. Preocupavam-no as conclusões de seus familiares, pessoas de mérito e influência em sua localidade. De resto, queria que fosse tudo às favas. Não dava a mínima para aquela história de casamento. Sua garrulice voltara-se sobre o que queria e pensava. Era tudo uma tentativa  de se justificar. Eu funcionara como o espelho a quem ele gostaria de falar, esperando a absolvição sobre seu bisonho erro. 
          Saí dali suspirando e meneando a cabeça. Será que ele percebeu? 

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