Depois de
certa idade – nem falemos mais dos 40 que esses já são anos idos e vividos –
depois de certa idade descobre-se que a vida tende a tornar-se tediosa e
repetitiva. Eu disse ‘tende’ porque é exatamente isso – apenas uma tendência.
Inda mais se se permanecer muito tempo num único lugar, numa mesma cidade, aí é
que a coisa pega. Em se tratando de cidade brasileira então, a mesmice cresce
assustadoramente; e se for uma cidade nordestina, aí estaremos qual aqueles
canais de televisão que repetem o mesmo filme duas vezes por semana. Agora, se
se mora em Fortaleza capital do Ceará, estaremos diante de um aparato de
tortura medieval daqueles que a vítima desejaria ardentemente que a morte se
lhe chegasse sem demora. A mesmice por aqui beira o ridículo, o patético, o
hilário, o terror e, acima de tudo, a tortura medieval. O sujeito aqui se sente
como aquele coitado manietado ao leito em decúbito dorsal com uma torneira a lhe gotejar
à testa. Vejam que a paisagem não incomoda por aqui, ao menos para nós
privilegiados que moramos, usando um termo vago e não menos preciso, bem. Moramos bem. (Falemos aos sussurros que cresce por aqui mais que em outras
paragens brasileiras a idéia de que não há o mal nem o erro, e que a
propriedade privada implica em ônus social inadmissível.) Os que moram mal e o
os que não moram dirão, certamente, que até a paisagem é de arrepiar. Eu não os
culparia. Tirando esses excluídos da esquerda – as esquerdas também têm seus
excluídos -, cuja paisagem a se lhes descortinar é de uma feiúra incomparável,
para nós que moramos bem o que nos tortura é o sempre mais do mesmo. Diria até
que saber da perpétua existência de nossos excluídos é parte de nossa aflição e
angústia. Eu disse ‘nossa’ mas de fato ela assalta apenas e unicamente às
vítimas e aos nossos homens e mulheres de bem. Seja na imprensa televisiva,
escrita e falada, seja em rodas de amigos pouco amigos e até hostis, seja no
local de trabalho, seja nas ideias que se propagam, seja na política, é tudo um
tédio só. É preciso o sujeito sair um pouco para dar uma resfolegada e um
suspiro, a fim de se aliviar.
Dirá
alguém que alhures e algures é a mesma coisa, e é provável que tenha razão. Não
sei se alguém aí já esteve nos Países Baixos. Tomemos como exemplo Leiden, uma
cidade holandesa. Direi apenas, dentro da perspectiva da mesmice da vida após
os 50, que estar e permanecer em Leiden pelo resto da vida haverá de ser um melífluo
e suave suplício, se é que isso fosse possível. Óbvio é que tal constatação
seria compartilhada apenas, mais uma vez, por homens e mulheres de bem apenas. Os canalhas que
proporcionam nossa maligna mesmice odiariam qualquer paraíso onde vicejasse um
mínimo de virtude e seus resultados.
Entretanto,
apesar de nossa coletiva previsibilidade, sempre há um ou outro cidadão que nos
brinda com algo novo e inusitado. Sim! e ainda bem! Com efeito, somente os
amigos figadais e homens de bem são capazes de, nesse estéril e improfícuo environment, nos trazer algo de útil,
diferente e que nos sirva à reflexão. Pois esta última semana próxima passada
foi bastante produtiva quanto a isso. Se não, vejamos.
Ligou-me
a mulher do Mesquita, já ao ocaso da sexta-feira. Preocupava-a o marido,
acometido de uma tristeza inexplicável. Sem razão que a justificasse, era
notória a tristeza do Mesquita nos últimos meses. Haviam feito uma viagem à
Norteamérica a passeio, com quase toda a família. (Todos sabem – os Mesquita só
viajam em rebanho. Entre eles não há viagem a dois, ou a três, ou mesmo a
quatro. Sempre viaja a família inteira. É permitido que fique um ou outro, mas
seu índice de adesão às viagens é elevadíssimo.) Pois o Mesquita passou quase
20 dias de flozô na Califórnia, pra cima e pra baixo. Ausentou-se por um bom
tempo de nossa mesmice renitente e, ainda assim, acometia-lhe uma melancolia enorme antes e após a viagem. Ela queria que eu interviesse. O homem estava
indo ao psicólogo, que por sua vez lhe indicara um psiquiatra. Em suma, a coisa
estava tão séria que queriam medicar o Mesquita com uma dessas drogas
levanta-defunto.
Quinze minutos
depois estávamos ele e eu tomando um drinque ali no boteco. Abriu-se comigo –
contou da viagem e da tristeza. A mim me parecia o velho e bom Mesquita,
amigo-irmão desde que tínhamos 10 ou 11 anos de idade. Não é algo a se levar em
pouca conta. Jogamos boa conversa fora e me tranqüilizei vendo-o patuscar e
planejar novas investidas para a vida. Programamos viagem só os amigos, à casa
de amigo comum do tempo das fraldas que mora a 600 quilômetros . Só
os homens. Nada de mulheres, esposas, namoradas, noivas, nada. Um clube do
bolinha a 600
quilômetros . Era disso que ele precisava, pensei. Batemos o
telefone para os outros comparsas e acertamos detalhes. Mesquita já ganhou, com
isso, novo e revitalizante humor. E assim nos despedimos.
Dia seguinte,
sábado, ligo para o Chico. Íamos nos encontrar, agora a rapaziada do bairro
amigos também desde as fraldas, à noite em casa do Gegê, recentemente pai de um
lindo bebê às portas dos 51, para uns drinques e um churrasco regado a três
violões. Há tempos não via o homem, o Chico. Nosso compadrio tem se ressentido das
forças centrífugas da vida. O amor entre amigos não se dissipa um angstrom sequer, no matter what. Íamos dar uma força ao
Júnior, última vítima de certo juiz de direito que o pôs para fora de casa após
cair na armadilha peticional do advogado da ex-sua mulher, levado a concluir
que ele estava para matá-la. Sua excelência comprou a idéia do bom advogado da
mulher. Resultado: pé na bunda do homem, pensão alimentícia e outras tragédias
embutidas. (Sempre me impressionou a facilidade com que estes senhores, deuses
podres das varas de família, tomam decisões que impactam tão violentamente a
vida das pessoas e das famílias sem um mínimo de análise do coração, dos dramas
e, acima de tudo, do caráter das pessoas envolvidas.) Chico, diante do convite,
foi categórico: -“Tô dentro!” E assim nos despedimos. Veio a madrugada cheia de
cantoria e o Chico não apareceu. Não incomodamos os faltosos, ainda que a
saudade e a vontade de com eles estar sejam enormes. Todos estão sujeitos a
algum imprevisto de última hora.
Ontem, dois
dias após tão delicioso encontro, o Chico me bate o telefone. Explicou seu imprevisto de última hora. Na
noite de sábado, a noite de nosso rega-bofe, a mulher se aproximou e, de supetão, fuzilou: -“Estou grávida.” Será o quinto filho do compadre, que está às portas dos
52. O susto foi tão grande que o compadre entornou goela abaixo as cervejas que dormiam em
seu freezer e foi também dormir.
Hoje tudo ficou claro.
A tristeza do Mesquita se dá por conta de seus gastos astronômicos. Em off contou-me o Braga: o homem está a comprar
outro imóvel caríssimo. Quando viu a montanha de dinheiro que tinha na conta minguar, passou a não dormir e a ter tristezas abissais. Presumo que ele não deva ter dito
isso ao terapeuta. Se o fizesse o homem não lhe prescreveria o psiquiatra, mas uma boa costura aos bolsos.
Assim, após dois
bebês, um divórcio e um apartamento novo não se pode dizer que vamos mal. São quatro
eventos felicíssimos! Há quem discorde do divórcio. Eu não. A curto prazo o divórcio
é um mal negócio, mas no médio e longo prazo é um excelente investimento. Mesmo
para um homem de 51 anos como o Júnior. Alguém aí discorda?
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