Chamou-me a
atenção matéria publicada no jornal O
Povo de hoje cuja manchete diz:
“Vândalos cortam as mãos da estátua de Iracema”.
Segundo a reportagem, a estátua da índia já foi alvo da ação de “vândalos” em
outras duas vezes, em 1996 e 2001. Em ambas furtaram o arco que a índia
segura(va). Desta vez serraram-lhe as mãos e nelas deram sumiço juntamente com
o arco que seguravam. O monumento está cotó.
Sugeriu-se, segundo a matéria, a vigilância ininterrupta da estátua, doravante.
Ainda, foi dito que na Praia de Iracema já funciona uma base comunitária da
Guarda Municipal, mas que seus agentes não perceberam a ação criminosa. Eu
disse “criminosa”? De fato, a reportagem em nenhum momento usa essa palavra
para qualificar a atividade de depredar o patrimônio público, mas seguramente
há de existir no Código um ou outro artigo que aponte isto como tal. Não
obstante, com a crescente noção de que não mais existe o erro e não mais existe
o mal, é possível que de crime passássemos a ter uma contravenção, duas facetas
da mesma coisa mas com implicações tão distintas que eu não entenderia nem que
me pusessem enterrado no encéfalo um minúsculo chip a me excitar o que me falta
em inteligência.
Agora imaginem o poder público a atender a sugestão, feita por humilde e
honestíssimo cidadão que freqüenta o local há anos, de manter monumentos sob
contínua vigilância. Seria viável? Seria factível? Até que nossa pobre capital
não tem lá tantos monumentos assim. Mesmo a se constatar tal evidência,
pergunto novamente – seria possível manter as estátuas vigiadas dias e noites a
fio? Os guardas de olhos presos sem desviar a atenção nem por um segundo... e
vai que os coitados precisem urinar? e, mesmo que o façam muito rápido, que não
tenham nem tempo de balançar as pirocas? sob pena de entre uma sacudida e outra
vir o vândalo surrupiar o velho e já surrupiado arco ou amputar outra parte das
já tão combalidas partes da estrutura do equipamento... Bem se vê que a tarefa
não se mostra tão fácil assim e que sua exeqüibilidade longe está de ser
claramente útil.
Pergunto-me,
desde o instante em que li a matéria, se os vândalos que atacaram primeiramente
o monumento seriam os mesmos a repetir o feito nas duas outras vezes. Há várias
possibilidades, como é fácil depreender. Uma análise combinatória e estatística
acuradas dar-nos-iam a pista para responder a essa intrigante questão, pelo
menos até que as câmeras de circuito fechado instaladas próximo ao local possam
fornecer os indícios de quem seria(m) o(s) autor(es) do delito. (Afinal, seria
delito ou não?) Saudades do Irmão Valetim, o Theonesto Louvathel, bambambam da
análise combinatória!... será que ainda lembrar-me-ia das equações e fatoriais
de tão útil ramo da matemática?
Sejam os 2,5
milhões de habitantes dessa enorme e depauperada Fortaleza, e A, B e C os três
assaltos consecutivos à Iracema Guardiã. A probabilidade de um dos habitantes
da cidade, sozinho, ser o “contraventor” a depredar o patrimônio em questão na
última vez é de 1 em 2,447409 milhões ou 4,085953 x 10 elevado a -7. Já para o
segundo roubo/assalto, há pouco mais de 10 anos, seria de 4,66983 x 10 elevado a -7, um pouco maior,
já que a população era, então, menor. E, por fim, se conclui facilmente que em
1996 essa probabilidade seria ainda maior. Notem que “maior” aqui não deve
remover a noção de quão pequenos são esses números. Se o mesmo indivíduo
executou a mesma proeza as três vezes, temos que essa probabilidade seria de
aproximadamente 12 x 10 elevado a -21. Vejam que a matemática está nos ajudando
em absolutamente nada na identificação do mau(?) elemento responsável por ato
tão bestial. Ela apenas nos diz muito bem que é muito pouco provável que o
identifiquemos, dadas as enormes possibilidades. Se o delito(?) foi perpetrado
por dois ou mais elementos, as possibilidades para o último evento ampliam-se a
um fatorial de 2.447.409 em três eventos distintos, aproximadamente. Conclui-se
que sem as câmeras olheiras a matemática do Irmão Valentim só nos serve de
lucubração e divertimento.
Diz a
reportagem que mais uma vez a prefeitura vai fazer a restauração do patrimônio
lesado, segundo consta, com o auxílio da iniciativa privada. Não se sabe quanto
vai custar mas o certo é que a Iracema Guardiã não ficará imune a novos
ataques, nem se pode prever com exatidão quando seus agressores voltarão à
carga. Quanto à vigilância perene e infalível nem se cogita fazer e, de fato,
seria um exagero lhe levar a cabo. É restaurar e fazer um fundinho de caixa
para eventuais reparos.
Outro de meus
pensamentos quanto à estátua da índia Iracema, personagem central do romance
alencarino (http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000014.pdf), é o de que seus algozes nem lhe conheçam a origem. Não é de
surpreender. Os indicadores educacionais de sua terra apontam para sua bem
provável ignorância. Num lugar onde a tradição é não ter tradição destrói-se
tudo. Será o caso?
Bom mesmo
seria se os bandidos – há bandidos? – levassem logo a estátua inteira. Assim
não se fariam mais reparos e economizar-se-ia dinheiro público e privado. Ou
que, antes disso, ela fosse removida de onde está e lhe dessem sossego numa finissage honrosa. Seu autor poderia
guardá-la em seu atelier onde ela bem estaria protegida do assédio de nossos
não educados cidadãos.
Outro dia
afirmei que o que nos falta é a guerra, já que não temos terremotos, maremotos,
tsunamis, furacões, tornados e nenhuma dessas catástrofes que não poupam nem
ricos nem pobres. Assim cresceria em nós o sentimento de nação, de
solidariedade, da necessidade do outro, de espírito de corpo e de unidade coesa
e indivisível. O problema é que ninguém nos quer invadir. Presumo que nossos
inimigos saibam direitinho a trabalheira que teriam conosco após a conquista.
Seremos tão fáceis que nem glória teriam em tal empreendimento. Ademais, pra
que invadir? se já lhes damos de graça o que eles tanto desejam? Parece que o
maior inimigo do brasileiro é o próprio brasileiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário