O codinome era
“Paulão”.
De fato, era
um homem grande e alto. O aumentativo vinha bem a calhar. Numa terra onde a
estatura mediana configura-se o mais comum, ser “Paulão” seria, no mínimo, uma
singularidade.
Casado,
pai de filhos, bem apessoado e de nobre profissão, tinha taras. A mulher sequer
imaginava. E era uma bela mulher, diga-se. Quem há de explicar tais e quais
desvios? Até então ninguém de nada sabia. “Paulão” era conhecido apenas nos
círculos do submundo da pornografia e do sexo livre.
Ser “Paulão”
era dar vida à outra personalidade encravada e oculta na essência do homem de
bem. Tinha agenda com mais de uma centena de nomes, mulheres dadas a programas,
realizadoras dos sonhos impossíveis da vida normal.
Fora da vida
profissional, social e familiar era um devasso desconhecido. Ninguém diria ou
imaginaria que nele existiria outro ser, outra personalidade, outra entidade,
completamente diversa da que todos conheciam. O temperamento sereno, o sorriso
franco, os modos calculados e comedidos, tudo lhe cobria daquela virtude
indubitável e inerente a homens como ele.
***
A desconhecida
avançou contra o carro. Ele vinha com a mulher, que a tudo assistia
boquiaberta:
- Cachorro!
Vagabundo! Canalha! Tu me paga, seu filho da puta! Vou te processar! Viado!
Esmurrava o
vidro lateral e dava chutes na lataria. A sorte foi o porteiro, que saiu da
guarita e de lá veio socorrer o casal. Segurava a desconhecida enquanto ele acelerava
o carro.
A mulher quis
saber: conhecia aquela pessoa? aquela sirigaita? Ele nunca a tinha visto,
garantia. Teria bebido ou seria maluca.
Na volta a
mulher foi ter com o porteiro. O coitado nada entendera. A mulher não dizia
coisa com coisa.
Deixou-se o
dito pelo não dito.
***
Ela vinha
voltando para casa quando viu acesa a luz do apartamento. Era um apartamento,
uma herança ou coisa que o valha, que tinham perto de casa e que pretendiam
alugar. Muito esquisito aquela luz acesa num imóvel que estava vazio, fechado,
esperando gente para habitar. Seria possível que a faxineira a tivesse
esquecido? Foi em casa buscar o molho de chaves.
Quando entrou,
a surpresa: “Paulão”, o marido, de cuecas na companhia de uma pequena menos vestida
ainda. Entendeu tudo: - já haviam consumado o ato e estavam a se despedir.
Não houve
bate-boca. Ele se explicou se dizendo insatisfeito em casa.
A mulher
correu para casa a chorar. Já se sentia a responsável, a culpada de tudo.
***
Em meio à
correspondência veio o envelope com o brasão da polícia, endereçado a ele.
Abriu. O delegado o chamava para depor num caso em que uma mulher o denunciava
e o acusava de difamação.
A desconhecida
que lhe assaltara à saída de casa o acusava de ele ter posto na rede mundial de
computadores um filme que fizera, ela nua em pelo e em cenas de sexo com ele. O
delegado foi logo dizendo: -“Doutor, o negócio tá difícil. A mulher tá cheia de
provas contra o senhor. Vou ter que abrir um inquérito.”
Apavorou-se. O
jeito era chamar advogado amigo do tal delegado. O causídico lá foi e conseguiu
abrandar a gravidade da situação. Cobrou um preço sem o confessar, no entanto:
relatou tudo à mulher de “Paulão”.
Percebendo que
a situação do marido era mais grave do que supunha ao início, tomou a decisão
radical: iriam morar no estrangeiro, onde ele pudesse se “recuperar” de suas
estripulias. Rapidamente arranjou um mestrado no outro lado do mundo, e
partiram com os filhos.
***
Haviam voltado
há pouco mais de um ano depois de quase quatro fora. A lonjura das terras
estranhas e o passar do tempo deixaram aqueles fatos no esquecimento. Tudo ia
bem, até o dia em que a mulher descobriu a agenda, a de mais de cem mulheres.
Eram nomes, telefones, endereços eletrônicos, e até endereços residenciais.
“Paulão” lá escrevera até as próprias senhas, que eram tantas para confundir.
Ela passou a
semana a buscar os sites na internet onde “Paulão” costumava arrebanhar aquele
povo. Entrava e ficava ali, vendo aquelas pessoas conversar sobre sexo e
combinar encontros e orgias. Resolveu ela também virar um personagem. Queria
saber até onde teria ido o marido, como se já ainda fosse preciso. Entrava a
conversar com homens à procura dele.
***
Estava no
trabalho à noite. Abriu o computador em momento de descanso e saiu em busca de
nova presa. Parecia ter conhecido uma mulher bem interessante. Conversa vai,
conversa vem, ela pediu que ligasse a câmera. Queria conhecê-lo antes do
primeiro encontro. Era normal, tendo em vista os propósitos dos interlocutores
daquele ambiente virtual.
Quase teve um
infarto quando viu quem estava do outro lado: era a fulana, sua mulher. Foi ligar
e dar com a mão no aparelho fazendo-o cair ao chão e desligá-lo com o baque.
Ao chegar à
casa suas malas estavam prontas. Ela não queria mais vê-lo nem vestido em ouro. Sem mais tencionar
manter-lhe a pose, abriu o jogo com a família – casara-se com um maníaco sexual.
Ele, contudo, mantém até hoje o ar de homem sério e normal. Vendo ninguém acredita.
Quem te conhece que te compre.
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