Outro dia, já
faz tempo, escrevi que não seria possível existir uma alegre e linda música(http://fecavalcanti.facilblog.com/Primeiro-blog-b1/A-inexistente-alegre-e-linda-musica-b1-p191.htm).
E devo dizer, jurando por tudo o que seja mais sagrado, que não quis plagiar ao
que já diziam os grandes Vinícius de Moraes e Baden Powell em seu Samba da Bênção: - “pra se fazer um samba com
beleza é preciso um bocado de tristeza”, etc. etc. Eles foram específicos;
referiram-se ao samba. Eu generalizei ainda mais a coisa; decretei: - música
alegre não é arte.
Ontem,
digo, sexta-feira voltei à carga. Queria desesperadamente um sofrimento a fim
de que me viesse inspiração para escrever um texto poético, repleto de lirismo
e romantismo. Uma tristeza me era necessária naquele momento. E eis que, aí
sim, ontem a tarde quase chorava sobre mim. Seus raios de luz eram como um
olhar perdido de desespero e dor, a derramar-se em espessas e molhadas lágrimas
a contaminar o mundo com o mesmo sofrimento do fim do dia. (http://umhomemdescarrado.blogspot.com.br/2012/07/agonia-da-tarde.html).
E
não gostei. O que poderia ter feito? Poderia ter montado à motocicleta e saído
para um passeio; poderia ter descido ao calçadão no mesmo intento; poderia ter
ido à caixa-prego. (Alguém sabe onde fica esse tão famoso cafundó?) Mas não.
Escolhi o impacto daquela emoção para escrever.
Enganam-se os
que pensam que o romantismo se refere unicamente e exclusivamente a um
sentimento entre duas pessoas. Num sentido mais amplo e artístico, romantismo
se refere um movimento da arte em direção à imaginação e às emoções. Deduz-se,
portanto, que nem todo movimento artístico reflete emoção. Vide o classicismo,
o realismo, o concretismo e os devaneios como que lisérgicos do surrealismo.
Dirão alguns
que estou redondamente enganado, que a música alegre é também arte, e
provavelmente estarão cobertos de razão. Confesso que ao fazer tal afirmação,
aproximando-me dos dois grandes compositores, fui tendencioso. Expressei minha
predileção por uma vertente da arte.
Há uma razão para
isso. Vejam novamente o que diz a letra do Samba
da Bênção: - “pra fazer um samba com
beleza é preciso um bocado de tristeza”. Assim, na música alegre não há
beleza e, por extensão, um texto sem lirismo é um texto sem beleza. Eis aí tudo
bem explicado. Gosto do que é belo, mas nem sempre – com uma freqüência até
maior do que desejaria – escrevo o que é belo.
Por uma
dedução lógica, a amiga que gosta quando escrevo, digamos, liricamente, gosta
quando escrevo liricamente, e ponto final. Ora, bolas! Cada um gosta do que
gosta. E até fui rude com a amada amiga, quando a ela sugeri que somente lesse
os românticos. A ela devo um pedido de desculpas por essa insolência.
Mas, olhem
como são as coisas. Outro dia, por coincidência também na última sexta, encontro
à choperia, a ex-melhor choperia de Fortaleza, um amigo que concorda comigo – a
choperia já não é mais a mesma. E por que concordamos que a choperia é a
ex-melhor? Há sintomas, o principal deles a queda em sua freqüência. Outrora
bem freqüentada, bem disputada por muita gente que queria desfrutar de sua boa
música, de sua boa culinária e drinques diversos e de seu agradável jardim e
instalações, hoje se observa uma sensível alteração nesse cenário. Não é coisa
de um ou outro dia. Já há vários e vários dias, meses talvez, observa-se a
debandada. O amigo e eu acordamos em tudo.
Ele dizia,
consternado: -“Sou um homem de balcões! O balcão aqui perdeu o charme!”,
referindo-se ao balcão do bar central onde os barmen servem o cliente diretamente. Para ele o balcão desestigmatiza
o freguês. Mesmo uma mulher sozinha, sem companhia, adquire uma aura de
princesa ao sentar-se ao balcão, diferente do que ocorre quando sozinha à mesa.
E lamentava: -“Ontem me sentei ao balcão sozinho... por quase três horas éramos
o balcão e eu. Uma coisa de fazer dó, meu chapa...” Quem já viu o balcão da
choparia entenderá a angústia do amigo, um fã de carteirinha e, diria até, seu
sócio fundador.
Outro sintoma
ominoso é a crescente falta de garçons em algumas áreas do bar, denotando
talvez uma preocupação dos proprietários com os custos, querendo talvez
equilibrá-los a uma decrescente receita. Seja como for, se estivermos
completamente errados em nossas lucubrações, o que poderia explicar a situação?
Outro amigo, chegado
de carona em final de conversa alheia, arriscou: -“Estamos no Estado do salário
mínimo, amigos! Estamos no fim do mês e o fortalezense está de bolsos vazios!
Eis aí a explicação”.
Se vier a
ocorrer o desfecho (in)esperado, terei motivos de sobra a me entristecer e
escrever liricamente sobre a morte de mais um delicioso point desta decadente cidade. O tempo dirá.
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