Eu diria que
vivemos, cada vez mais, tempos de imposturas. Não sei se o Nelson já o dizia ao
seu tempo. Se o dizia, e se vivo fosse, constataria a verdade inapelável: -
esse é, de fato, um tempo de imposturas.
Há
quase três anos escrevi sobre o plano “consulta zero”. (https://umhomemdescarrado.blogspot.com/2014/07/o-plano-consulta-zero.html). Resumirei o que lá digo.
Àquela época lançava-se o plano “consulta ambulatorial”,
cujos produtos eram a consulta médica e exames complementares simples. É provável que
o plano tivesse limitações quanto ao número de consultas a que o freguês
tivesse direito cada mês. Para ser franco não conheço detalhes desse fabuloso
produto da assistência médica nem se o mesmo ainda está à venda, mas era basicamente
isso. Quem o comprasse pagaria uma mensalidade no valor de trinta e cinco a
quarenta reais.
Imaginemos
que o sujeito não tenha nenhuma doença crônica que exija sua ida ao médico numa
base regular. Imaginemos que ele vá ao médico uma única vez ao ano para uma
consulta “preventiva”. Se o indivíduo em questão for assim muito agraciado pela
sorte, pode prescindir do referido plano e pagar uma consulta particular no
valor de, digamos, duzentos reais, que é o valor que os médicos estão cobrando em nosso Estado. (Não
esqueçamos – esse é o Estado do salário mínimo e de seus múltiplos menores,
duas ou três vezes no máximo!) Os exames complementares mais simples são
baratos – um hemograma completo particular custa cerca de quinze reais –, de
modo que ele provavelmente possa, de fato, se dar ao luxo de nem pagar por qualquer plano, gastando em saúde menos por ano do que se pagasse por ele.
Agora
imaginemos, em outro extremo, o sujeito portador de doença crônica que
necessite ir a médicos com regularidade durante o ano. Esse indivíduo se
beneficiaria deveras do plano consulta ambulatorial, desde que não necessitasse
de internações também regulares. Se o serviço público oferecesse leitos
hospitalares tanto quanto oferece atualmente indignidades aos seus usuários,
esse indivíduo poderia fazer uso desses leitos sempre que necessitasse. Essa
pessoa estaria relativamente tranqüila quanto à sua assistência médica.
Entre
as duas hipotéticas situações acima estariam as pessoas que necessitam de
tratamentos caros em nível ambulatorial e hospitalar, inclusive em Unidade de
Terapia Intensiva e procedimentos cirúrgicos e invasivos. Nesses casos o plano consulta ambulatorial de nada serviria.
Só restaria a essas pessoas o serviço público de saúde e suas enormes e permanentes deficiências.
O
que quero dizer é o seguinte. Os planos de saúde deveriam – não sei por que não o
fazem, por que razão ainda não o fizeram – dispor de um produto que contemplasse tudo já no minuto seguinte à sua
contratação. Eu disse tudo? todos os tratamentos, e procedimentos, e órteses, e próteses,
tudo? Sim, isso mesmo – tudo, exceto uma coisa: a consulta médica. Toda e
qualquer consulta que essa pessoa quisesse ou necessitasse fazer seria
particular, ou ela que procurasse uma consulta no serviço público. Vejam que
interessante. Certamente seriam planos ainda caros, não obstante a retirada
da consulta médica de sua lista de produtos. É provável que esse plano fosse
comprado pelos altos salários e pelos grandes negócios, que o descontariam
integralmente, junto com a consulta particular, em seu imposto de renda.
O
que quero também dizer é que entre o plano ambulatorial já lançado e o plano consulta
zero nunca nem sequer aventado – ou se o foi não me consta, e aqui admito uma
abjeta e imprópria ignorância –, teríamos planos ao gosto de cada freguês. O sujeito
compraria o que lhe desse na telha e não poderia ajuizar ações contra o vendedor
do plano uma vez que tudo estaria claro e esclarecido desde o princípio. Dirá alguém
que tal cláusula seria inconstitucional já que na Carta se dá como direito inalienável
e inegável a saúde de todo bom brasileiro, e eu diria que aí está a primeira grande
impostura de nosso tempo. Se assim fosse, quase todo gestor de saúde do país
estaria preso, inclusive os ministros e secretários de saúde. Não é o que se vê.
O que se vê é justamente o oposto, direitos constitucionais “pétreos” negados pelo próprio poder que o “assegura”. É ou não isso uma grande impostura?
Vejam,
por exemplo, a nossa Unimed Fortaleza. Uma amiga precisava de uma endocrinologista
que atendesse pela Unimed Fortaleza. Ela paga mensalmente à Unimed Fortaleza
cerca de duzentos reais. E o que lhe diziam as atendentes dos endocrinologistas
credenciados da Unimed Fortaleza? Diziam que consulta pela Unimed Fortaleza só
para daqui a três ou quatro meses, e que consulta particular já para o dia
seguinte. E, como com os endocrinologistas, para todas as outras especialidades
há médicos que permanecem credenciados à Unimed Fortaleza mas que não mais
atendem pela Unimed Fortaleza. Valor da consulta particular: - duzentos reais,
precisamente o valor que minha amiga paga por mês à Unimed Fortaleza, como já
disse.
Dirá
alguém – sempre há alguém a retrucar algo, e é bom mesmo que haja – que a
Unimed Fortaleza não possui credenciados mas, sim, cooperados, já que ela é uma
cooperativa e não um "plano de saúde"; uma cooperativa que foi criada com o
intuito principal e primordial de proteger o médico da exploração por parte das
empresas de medicina de grupo. Então direi que eis aí outra grande impostura: - não
importa qual a forma jurídica em que se enquadra a Unimed Fortaleza, a sétima
maior empresa do Estado do Ceará, mas sim como seus médicos conveniados se
sentem nessa “parceria”. Se se sentissem bem e protegidos da exploração das outras
empresas de medicina de grupo, não estariam se negando, de forma velada e cínica,
a atender seus pacientes. Ao que parece se tornou, ela própria, exploradora do
trabalho de seus médicos cooperados. Estes, por sua vez, fomentam ainda mais
tal impostura ao permanecerem credenciados quando a atitude coerente seria se
desvincular ou fechar seus consultórios.
A
ironia de tudo isso é a seguinte. Agindo dessa forma, muitos médicos “cooperados”
da Unimed Fortaleza estão criando e pondo em prática, de maneira informal e
unilateral, o plano consulta zero. Os clientes da Unimed Fortaleza ainda não foram informados de que providenciaram alterações em seu plano de saúde. Deveriam ser! Falta, portanto, à Unimed Fortaleza e a
seus médicos cooperados a hombridade de iniciar a debater em seus círculos mais
íntimos e com seus cooperados o que está a ocorrer na prática, para depois trazê-lo
à luz da verdade e da clareza. É lícito. É justo. Os clientes que nela
acreditam agradecem, bem como os cooperados que queiram continuar acreditando
que vale a pena estar a ela associados.
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