"Quando o pau troar, conte comigo, tô do seu lado ! Abraço!" Essa foi a resposta de um amigo ao meu último texto. Nada é mais estimulante e mais viçoso do que a amizade. Dizia o Nelson o seguinte: -"A amizade é o grande acontecimento". E é este o exemplo mais singelo de verdade absoluta. A amizade é o grande acontecimento. Meu amigo Zorrinho, o que me enviou a mensagem contendo sua irrestrita solidariedade e cumplicidade, foi, hoje e para sempre, o grande acontecimento.
O que não ficou claro no texto, vi depois, foi se Amorim é ou não meu amigo. Direi com a mais profunda certeza: - Amorim é meu amigo de infância, do tempo em que usávamos fraldas. E nossa amizade tem varado o tempo tão sólida como sempre foi. De fato, é justamente por isso que lhe permito os desvarios de seus pileques. E é provável que seja justamente por isso que também ele aceita sem rancor o telefone na cara. Os verdadeiros amigos não se melindram por pouca coisa.
Vejam que é sempre pouca coisa. Por exemplo, o próprio Amorim. Contei tempos atrás aos amigos leitores – só os amigos me lêem – o telefonema que recebi do mesmo Amorim. Foi assim. Era uma sexta-feira, já por volta da meia-noite, quando me toca o telefone. (Para não cansar os pouquíssimos leitores, resumirei.) O homem estava com uma "profissional" e não conseguia, por mais que pelejasse, perpetrar o ato. Resolveu me ligar a fim de que eu o ajudasse. E, para variar, estava mais melado do que espinhaço de pão doce. Ao final da ligação me vi confabulando com a moça. Passei-lhe um pito, mas ela, percebi, estava achando tudo aquilo surreal e cômico e, de fato, era. Mais uma vez bati-lhe o telefone nas fuças.
Hoje, por uma infeliz coincidência, o deputado Heitor Férrer, uma das pouquíssimas resistências à ditadura branca que ora vige no Estado, anunciou em sua página da rede social o seguinte: - foi frustrante a fala do Secretário de Segurança Pública do Estado na Assembléia Legislativa. O homem seguiu a velha praxe à risca. Demonstrou os números do que vem sendo e já foi investido na pasta. Não resta dúvida. Uma fortuna. O governo tem investido uma dinheirama sem precedentes na área de Segurança Pública. Palmas para o governo. Mas, das duas uma: - ou o senhor secretário pensa que somos todos cretinos, ou ele próprio é que é um. Ele parece não ver que os valores com os quais o governo inundou a área de segurança não surtiu nenhum efeito, nenhum mesmo. Somente ele, e por extensão o governo, não vê o verdadeiro estado de anomia a que chegamos. A criminalidade está solta. A cidade de Fortaleza é uma praça de guerra. Os agentes de segurança do Estado estão inoperantes; a Justiça, munida de seu código penal e código de processo penal caducos e favoráveis aos criminosos, não pune; e o governo estadual a anunciar que nosso suado dinheirinho está sendo rasgado a olhos vistos. Em última análise foi isso o que ficou claro.
(Ia esquecendo de dizer que o Zorrinho é, também, amigo desde as fraldas e dos cueiros. A diferença é que o Amorim é amigo do bairro, ao passo que o Zorrinho é discípulo marista, como eu.)
No ambulatório, hoje de manhã, lembrei-me do amigo e compadre Chico Heli. Atendia os doentes e ouvia a voz do Chico. Ouvia-o dizer: -"Tem remédio, sim! Tem remédio, sim!" Eu perguntava à paciente se em sua cidade, em Morada Nova se não me engano, havia medicamento para sua pressão e para seu diabetes; se os postos de saúde de lá estavam sempre abastecidos com os medicamentos básicos utilizados no tratamento dessas doenças; se o médico do posto estava empenhado em controlar seu diabetes e sua pressão alta. A voz do Chico insistia no pé do meu ouvido: -"Tem remédio, sim! Tem remédio, sim!" A paciente dizia: -"Tem remédio, não, doutor!... Tem remédio, não!..." O diabo é que o Chico, em que pese seu CRM e que isso o credencie a conhecer profundamente nosso sistema de saúde (?), não mora em Morada Nova, nem é hipertenso, nem diabético, nem faz uso, até onde sei, de qualquer medicamento de uso contínuo.
(Se o Chico lá estivesse, no ambulatório, ter-lhe-ia dito: -"Chico, tu és o grande acontecimento, mas a pacientezinha – coitada! – sabe mais desse assunto do que tu..." E sentar-me-ia ao chão chorando como uma criança indefesa.)
Não sei se sabem os amigos e, se não sabem, saberão agora: - sou hipertenso. Ocorre que, para as esquerdas, sou "a elite". De fato, e assumo, sou "a elite". Custou-me muito estudo e muito trabalho, mas sou "a elite". Como elite que sou, minha hipertensão arterial é especial. Trato-a, com a ajuda da querida Márcia Holanda, com o maior carinho. Sim, porque se não o faço, ela me morde. (Não a Márcia, mas a hipertensão.) Hoje quase todo medicamento tem lá o seu "genérico", o seu "similar". Assim, neste vasto rincão, todo medicamento tem duas versões: a original e as outras. O meu é da estirpe original. A prova? A hipertensão tornou-se apenas uma ameaça. Está controlada.
Mas, vejam como todo bom brasileiro está a um passo de sua própria desgraça. Vou ali à farmácia comprar o original e o balconista me traz o genérico. Diz: -"Está pela metade". Digo: -"Traga-me o que pedi, sim"? Insiste: -"É a mesma coisa". Sou categórico e paciente: -"O que pedi, por favor". Ele não ia desistir: -"Os estudos mostraram etc. etc. etc." Perdi a paciência: -"Quando for a pressão da senhora sua mãe, use o que quiser; para mim traga-me o que te pedi".
Contei esse lamentável episódio apenas para dizer o seguinte. Por exemplo, o meu compadre Chico acredita que o anti-hipertensivo de dois ou três reais que se vendem nas chamadas farmácias populares controlam com eficácia a pressão arterial de seu usuário. Ele, como excelente Infectologista que é, deve bem ter visto vários e vários casos de infecções refratárias ao tratamento com genéricos e/ou similares e que posteriormente responderam ao medicamento "original". O mesmo se vê no uso de medicamentos para outras doenças e condições clínicas. Essa é uma constatação irrefutável e do conhecimento de todo médico brasileiro.
Bem se vê que somos uma sopa de caos. Para onde se olhe, lá estará ele, o caos. O caos na segurança, o caos na saúde, o caos na educação, o caos no trânsito... É o caso de se sugerir, a qualquer secretário de governo que vá à casa legislativa expor os desvarios de sua pasta, que não mostre os gastos como sinônimo de boa gestão; que mostrem, doravante, a "entropia" dos sistemas que gerenciam. A irreversibilidade desse estado de coisas, se assumida, nos traria a coragem necessária para fazer o que deve ser feito. Inclusive, e principalmente, mudar as leis ou fazer cumprir as boas que já existem.
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