Ah, a índole!... Diz lá o pai dos burros sobre ela: propensão natural; caráter; tendência.
Ensinam os sociólogos que não há a índole; o que há é o aprendizado, a cultura, a ética – uma ética, e outra ética, e quantas éticas se queira –, tudo isso a moldar o modo de pensar de cada novo ser humano que vem à existência.
A primeira evidência da índole está no Gênesis em seu capítulo 4, Caim enciumado. O caráter do primogênito do casal primevo era duvidoso. Tanto que mais tarde matou seu irmão, Abel. É possível – e fascinante! – deslindar, usando o próprio texto de Gênesis, as circunstâncias do ciúme de Caim e do assassinato de seu irmão. Mas não o façamos. Vivemos tempos difíceis. O óbvio está morto, como bem sabem. E, com sua morte, toda crença é possível, toda interpretação é possível, tudo, enfim, é possível.
Por exemplo, digamos que Deus é o óbvio, nada mais óbvio, nada tão óbvio. E, se o óbvio está morto, também Deus está morto. Será que percebem? Se Deus está morto, restam, como já disse, as interpretações, as opiniões, as convicções pessoais, o uso dos despojos de Deus como meio de dominação, como causador de sofrimento, como prova da morte de Deus, o ex-tirano. São, de fato, tempos muitíssimo difíceis esses em que vivemos. (Nem sei por que estou aqui a arriscar minha cabeça fazendo alusão a essas coisas. São coisas indizíveis.)
Dizem os sociólogos que a crença na existência de uma índole é a grande responsável por essas aberrações inimagináveis. Por exemplo, os homens são afeitos à guerra, ao passo que as mulheres o seriam ao cuidado do lar. Pois isso também se aprende, isso é cultural, segundo os sociólogos. Se aniquilarmos a sociedade cuja cultura ensine tais disparates, em breve havíamos de testemunhar a eclosão de uma sociedade de homens parindo e lavando a louça, enquanto as mulheres se digladiariam nas assembléias, falando grosso e empunhando pistolas. Conclusão: até os índios teriam as mulheres mais valentes e sanguinárias do planeta. O diabo é que não é isso o que vemos. E se existir algum povo cuja organização social se assemelhe a isso, cabe a pergunta: mas só um povo? Por que não dois? Ou três? Ou quatro povos?
Tenho um amigo, o Padilha, que, indignado com minha aversão a suas crenças pouco científicas, fuzilou: -"Vá estudar"! Senti-me como um lépton. (O quark pelo menos interage.) Minha sensação de minimidade existencial foi esmagadora. Fosse eu um suicida em potencial e me jogaria à frente do primeiro ônibus lotado que passasse. (Observem que "suicida em potencial" resgata a idéia de "índole" e, como já vimos, não existe a índole. Todos os suicidas são seres absolutamente isentos dessa suposta inclinação, até o dia em que resolvem dar cabo de si mesmos.)
De tanto procurar estudar, dei de cara com artigo da revista Exame que dá conta de que o governo está estudando a possibilidade de "importar" engenheiros para o país (http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/por-prefeitos-dilma-estuda-importar?fb). Depois da importação de médicos, vamos importar engenheiros, e é provável que mais adiante importemos também garis, físicos, eletricistas, etc. etc. Uma pesquisa mostrou que em países altamente desenvolvidos, como Suíça, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, 20% da população é formada por imigrantes, enquanto no Brasil eles representam apenas 0,3%. A média mundial é de 3%.
Voltando à índole, diria que toda índole tem sua contrapartida cultural. Se não há a índole, há a cultura e a ética a explicar comportamentos, atitudes, idéias, pensamentos, modo de ver e encarar a vida e a morte, etc. etc. Pois vejam que é da índole desse governo, digo, é da ética desse governo explicar suas idéias com as explicações mais estapafúrdias que se possa imaginar. Não passa pela cabeça desse pessoal o óbvio. (Estou me encrencando cada vez mais: digo a mim mesmo que o óbvio morreu.) Os países mais desenvolvidos têm uma maior população de imigrantes porque esses imigrantes para lá vão em busca de reais oportunidades de obter sucesso e felicidade num país onde tudo funciona, do carrinho de mão ao foguete espacial. Não me surpreende que nossa população de imigrantes seja tão pífia. Em busca de que eles viriam? De oportunidades? Não as damos nem aos nativos. De segurança? De um bom sistema de saúde pública? De cidades boas de se viver e criar os filhos?
Pensando bem e melhor, me parece que de importação em importação o governo cogita em repovoar o país. (Lembra-me o meu amigo Raimundo Araújo a exortar a que os americanos do norte nos invadissem. Para ele, essa seria a nossa solução.) Sou tentado a pensar que o governo quer-nos mudar a cultura, as idéias, as crenças, os costumes, o jeitinho brasileiro, enfim. Não seríamos mais o Brasil. Seríamos o "New Brazil", uma potência tecnológica e econômica jamais vista. Trocar-nos-iam desde a índole até o carnaval.
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