Todo chefe deveria se
comportar como um bom juiz de futebol. Como se comporta o bom juiz?, há de
indagar o que não entende de futebol. Todos sabem. O bom juiz não aparece. Sim,
ninguém lhe nota a presença. No dizer de Nelson Rodrigues, o bom juiz seria um
desconhecido vocacional.
O diabo é o ego. O ego é aquele troço que impele o
sujeito à autopromoção, à exaltação pessoal. Imaginem, então, o juiz de futebol
que, durante a partida, fosse assaltado por uma incoercível vontade de ser o
ator principal, o galã do jogo por assim dizer. Nem os eventuais gols seriam
notados pela torcida. Os aplausos seriam todos endereçados ao senhor juiz, e a
partida seria um mero detalhe, inclusive o gol.
Dirá alguém que vivemos uma época em que a autoridade
está em crise. Vivemos uma crise de autoridade e na autoridade. Nenhuma autoridade
tem autoridade aos dias de hoje. Nem o juiz de futebol, nem o chefe de seção,
nem o chefe da repartição tem autoridade. Antigamente a autoridade máxima era o
bispo. O sujeito vinha se queixar e ouvia o impropério: -“Vá reclamar com o
bispo”! Hoje nem isso. Mesmo o bispo tornou-se uma mera figura decorativa, como
um enfeite de bolo.
Outro dia eu dizia que o sujeito tem que ter maturidade
para chefiar e para se deixar chefiar. O chefe não é uma pessoa, não é um ser. O chefe
é uma entidade, ao passo que os
chefiados são, todos eles, reles e ínfimos mortais. O chefe deveria ir ao
cartório e rasgar a certidão de nascimento, eis a verdade. Que faz o mortal? O mortal
reza, e estamos conversados.
Entretanto, quando o chefe traveste-se de si mesmo,
quando carrega a si mesmo sob a pele, vislumbra-se o caos. O chefe, portanto, e
por não ser um ser vivente, deve, única e exclusivamente, se utilizar de todas
as liturgias, honrarias e ônus do cargo. Bem se vê que o grau de maturidade
associado à atividade de chefiar deve ser elevadíssimo. Chefe que insiste em
ser ele próprio não presta. Daí a explicação para a crise de autoridade que ora
grassa por este rincão sem dono.
E mais: - chefe não deve ter regalias. A regalia do chefe
lhe enfraquece a moral e a credibilidade. Chefe que não dá exemplo jamais será
ouvido e semeará em seus chefiados o deboche por sua figura. A regalia,
qualquer que seja ela, mesmo a vaga reservada no estacionamento, pressupõe a existência
de um ser vivente no ser que, já dissemos, não é vivente. O chefe que insiste
em ser o titular de seu CPF estará sempre a mercê de suas paixões e vícios.
Vejam, então, a escandalosa relação existente entre
maturidade e aptidão para chefiar. Hoje qualquer um é chefe. Trocam-se os
chefes como se trocam as fraldas do bebê. (Eu ia dizer as roupas, mas, como
temos um lindo bebê na família, me ocorreu que se lhe trocam as fraldas com
mais frequência do que as ceroulas dos adultos.) A verdade á a seguinte: - o
chefe deveria ser chefe por concurso. E um concurso de porta bem estreitinha,
com avaliação psicológica e tudo.
Por exemplo, o hospital público. Diretor de hospital
público devia ser selecionado por concurso, assim como os demais funcionários. Se
os demais funcionários são selecionados por concurso, por que seus diretores
não o são também? O que se faz é o seguinte. Os diretores desses hospitais são
escolhidos pela “panelinha” que está no poder. Assim, entra panela e sai panela
e, na mesma medida, entra diretor e sai diretor. O resultado não poderia ser
outro senão o que está aí.
O que diremos dos chefiados? a arraia miúda? o povo que
reza? Também esses devem ter lá a sua maturidade. Se o chefe tomar uma medida
que o cargo lhe impõe, o chefiado não deve nunca, jamais, tomá-la para o lado
pessoal. Quem está agindo é o chefe, e não o fulano de tal que, a propósito,
não existe. O diabo é quando o chefe age fora do âmbito de suas obrigações ou,
mesmo que aja segundo elas, o faça usando dois pesos e duas medidas. Todos sabem:
- a liturgia do cargo é uma só, de modo que medidas divergentes levantam a
suspeita de tirania e de o chefe estar agindo na defesa de interesses escusos. Outras
vezes o chefe age segundo sua obrigação em determinado contexto e deixa de fazê-lo
noutro. A coerência e a obediência estrita ao que exige o cargo são o caminho
que leva à justiça e aos bons resultados na atividade de chefiar.
O que se tem visto? Nada disso temos visto. Ou, melhor: -
tudo isso. O chefe é um ego e, pior, um ego inflado e inflamado. Do Oiapoque ao
Chuí, do Cabedelo ao Xapuri, o Brasil é um antro de egos a lhe chefiar desde os
cargos mais elevados aos mais humildes chefes de portaria. Consequentemente, a já
citada crise na autoridade é uma evidência que nos assola e humilha.
Eu nem sei por que razão fiz todo esse devaneio. Diz o
meu amigo Vevê que sempre se quer ser o touro, e nunca se quer ser a vaca. Acho
qu’eu estou querendo é ser chefe. O diabo é que não tem concurso...!
Nenhum comentário:
Postar um comentário