Além
da questão da responsabilidade direta dos comunistas no poder,
coloca-se a questão da cumplicidade. O Código Criminal canadense,
modificado em 1987, considera, em seu artigo 7, que...são também
assimilados aos crimes contra a humanidade “a tentativa, o complô,
a cumplicidade após o fato,
o conselho, a ajuda ou o encorajamento a respeito desse fato. Ora, dos anos 1920 aos anos 1950, os comunistas do mundo inteiro e várias
outras pessoas aplaudiram com entusiasmo a política de Lenin e, em
seguida, a de Stalin. Centenas de milhares de homens engajaram-se nas
fileiras da Internacional Comunista nas seções locais do “partido
mundial da revolução”. Nos anos 50-70, outras centenas de
milhares de homens veneraram o “Grande Timoneiro” da revolução
chinesa e cantaram os grandes méritos do Grande Salto Adiante ou os
da Revolução Cultural. […]
Alguns
responderão que “não sabiam”. É verdade que nem sempre foi
fácil saber, já que os regimes comunistas fizeram do segredo uma das
estrategias de defesa privilegiadas. Mas, frequentemente, essa
ignorância era tão somente resultado de uma cegueira devida à
crença militante. E, desde os anos 40 e 50, muitos fatos eram
conhecidos e incontestáveis. Ora,
se vários desses bajuladores abandonaram seus ídolos de ontem, foi
com silêncio e discrição. […]
Joseph
Berger, antigo membro do Komintern, ele próprio “expurgado” e
conhecedor dos campos, cita a carta recebida de uma antiga deportada
do Gulag, mas que permaneceu membro do Partido após ter retornado
dos campos de concentração: “Os comunistas de minha geração
aceitaram a autoridade de Stalin. Eles aprovaram seus crimes. Isso
vale não somente para os comunistas soviéticos, mas também para
aqueles do mundo inteiro, e essa nódoa nos marca individual e
coletivamente. Só podemos apagá-la fazendo com que isso nunca mais
se reproduza. O que aconteceu? Havíamos perdido a razão ou somos
traidores do comunismo? A verdade é que todos nós, inclusive os que
estavam mais próximos a Stalin, fizemos dos crimes o contrário do
que eles realmente eram. Nós os consideramos como uma importante
contribuição para a vitória do socialismo. Acreditamos que tudo o
que fortalecia a potencia política do Partido Comunista da União
Soviética e no mundo era uma vitória para o socialismo. Não
imaginávamos jamais que pudesse haver um conflito no interior do
partido entre a política e a ética”. […]
Em
sua notável obra sobre a Revolução Russa – La Tragédie
Soviétique – Martin Malia traz um pouco de luz ao assunto falando
“desse paradoxo: um grande ideal que levou a um grande crime” .
Annie Kriegel, uma outra grande analista do comunismo, insistia
nessa articulação quase necessária das duas faces do comunismo:
uma luminosa e outra escura.
A
esse paradoxo Tzvetan Todorov traz uma primeira resposta: “O
habitante de uma democracia ocidental queria pensar no totalitarismo
como algo completamente estranho às aspirações humanas normais.
Ora, o totalitarismo não teria se mantido por tanto tempo, não
teria arrastado tantos indivíduos em sua senda, se ele fosse assim.
Ele é, ao contrário, uma máquina de tremenda eficácia. A
ideologia comunista propõe a imagem de uma sociedade melhor e nos
incita a desejá-la: não faz parte da identidade humana o desejo de
transformar o mundo em nome de um ideal? Além
do mais, a sociedade comunista priva o indivíduo de suas
responsabilidades: são sempre 'eles' quem decidem. Ora, a
responsabilidade é frequentemente um fardo pesado a ser
carregado.[...] A atração pelo sistema totalitário, experimentada
inconscientemente por numerosos indivíduos, provém de um certo medo
da liberdade e da responsabilidade – o que explica a popularidade
de todos os regimes autoritários (é
a tese de Erich Fromm em 'O Medo da Liberdade'); o
que existe é a 'servidão voluntária', já
dizia La Boétie".
A cumplicidade daqueles que enveredaram na servidão voluntária não foi – e continua não sendo – abstrata e teórica. O simples fato de aceitar e/ou assumir uma propaganda destinada a esconder a verdade demonstrava e continua demonstrando uma cumplicidade ativa. Pois tornar público é o único meio – ainda que não seja sempre eficaz, como acaba de mostrar a tragédia de Ruanda – de lutar contra os crimes de massa cometidos em segredo, protegidos dos olhares indiscretos.[...]
(Todos os grifos são meus.)
A cumplicidade daqueles que enveredaram na servidão voluntária não foi – e continua não sendo – abstrata e teórica. O simples fato de aceitar e/ou assumir uma propaganda destinada a esconder a verdade demonstrava e continua demonstrando uma cumplicidade ativa. Pois tornar público é o único meio – ainda que não seja sempre eficaz, como acaba de mostrar a tragédia de Ruanda – de lutar contra os crimes de massa cometidos em segredo, protegidos dos olhares indiscretos.[...]
(Todos os grifos são meus.)
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