O meu amigo Pinto escreveu-me para pedir explicações sobre a crônica
publicada ontem neste blog. Queria saber, afinal, se eu achava se seria melhor
sobreviver ou se o melhor mesmo seria ter razão. Respondi-lhe que o preferível
é o sujeito vivo e saudável sem nenhuma razão ao indivíduo mortinho da silva e
cheio de razão. Assim, concordamos que esse negócio de se insistir em ter razão
é coisa de gente que não tem amor à vida, nem à sua nem à alheia. E assim nos
despedimos.
Após passado um
dia inteiro, ocorreu-me que a estória relacionada ao motociclista pode ser
extrapolada para qualquer outro aspecto da vida. Por exemplo, o meu amigo
Amorim.
Não sei se sabem,
mas Amorim amancebou-se. Sim, após o divórcio da esposa, sem nem deixar o defunto
esfriar saiu a enamorar-se desta senhorita de poucas prendas e pouca idade. O resultado,
como bem se pode depreender pelas infindáveis crônicas que a vida proveu neste
tema, foi a falência completa do amigo. E nem falo somente da falência material,
mas aponto também a miséria afetiva, moral, e até espiritual. Dirá alguém
inteirado do episódio que o homem fazia lá suas preces e rogava favores
divinos, mas mesmo os santos o abandonaram, quero crer. Não sei se por conta de
uma súbita fé a denotar o caráter puramente interesseiro do pedinte, ou se por
causa de suas ladainhas intermináveis, o fato é que o santo, ao que parece,
dormia àquela zangurriana, uma cantilena modorrenta e chorosa... Dormindo o
santo, nenhum milagre ocorreu, e o meu amigo vem, de fato, ao longo dos últimos
anos, comendo o pão que o demo amassou.
Os caros e
rarefeitos leitores já se exasperam para saber a relação que há entre a escolha
referida acima, trazida novamente à baila hoje pelo meu querido Pinto, e o
drama do Amorim. Tentarei explicar já adiantando que nada há de complicado,
como bem poderão apreciar.
Ocorre que o
amigo e a jovem à qual se associou viviam em querelas e questiúnculas sem fim. Digo
questiúnculas e já me corrijo, visto que nada há de mais sério contra uma
relação amorosa do que a perda da confiança. A jovem fez lá as suas estripulias
bem como o meu amigo, de modo que na história não havia auréola a pairar sobre
a cabeça de ninguém – eram os dois uns safardanas de marca maior. Assim,
tornou-se comum o bate-boca infindável e improdutivo a cavar ainda mais fundo a
cova do relacionamento. Os entreveros serviam a medir forças para ver quem
tinha razão. Resultado – o apartamento, a separação, o novo divórcio do amigo,
e a conclusão de que ninguém tinha razão.
Dirá alguém,
apelando à mutualidade exclusivista de nossa tese que, se ninguém tinha razão,
então alguém sobreviveu o que, com efeito, é verdade. Ambos sobreviveram. Continuassem
a disputa e teríamos, quem sabe, um daqueles crimes passionais onde um trucida
o outro enquanto dorme. É bem verdade que houve uma morte – a do
relacionamento. Diríamos, à essa argumentação, que antes se vá o substantivo
abstrato que o substantivo concreto, e que antes se cavem sepulturas na alma que
na terra. O que morre dentro de nós é como se jamais houvesse existido.
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