quarta-feira, 13 de julho de 2016

O RONCO QUE ASSASSINOU A LIBIDO

Os leitores que me acompanham há mais tempo sabem que os Mesquita são dados às festas de arromba. Antes de continuar definamos “festa de arromba” – festa de arromba é aquela em que não falta comida nem bebida; tem hora para começar, mas não tem hora para acabar; e nela tem-se a nítida impressão que a cidade inteira foi convidada. Pois os Mesquita, fiquem sabendo meus mais recentes leitores, fazem festas de arromba com uma frequência acima da média. (Os Mesquita são dados também a viajar em família, de modo que guardam em casa a gaiola para o papagaio, uma casinha para o gato e outra para o cachorro. Nenhum dos bichos fica em casa.)
A última dessas festas foi agora, recentemente, no mês de maio passado: o casamento de arromba – “casamento de arromba” é um tipo específico e mais rebuscado de “festa de arromba” – da filha caçula de meu amado amigo Helber Mendes Mesquita. A cerimônia religiosa aconteceu na igrejinha de São Pedro, localizada na praça São Pedro da pequena e simpática Flecheiras, uma paradisíaca praia a 140 quilômetros de Fortaleza. A igreja pode ser simples, mas os Mesquita, nesse dia, a fizeram nababesca. Não que a tenham enfeitado e decorado com ouro e pedras preciosas, mas porque a encheram da gente distinta que são seus amigos e conhecidos mais chegados.
O baile nupcial foi na Pousada Vila Vagalume, localizada na vizinha e não menos paradisíaca praia do Guajirú. Ora, a pousada à beira-mar, quase onde quebram as ondas, foi fechada inteiramente para o evento. Digamos logo de uma vez – o Mesquita alugou a pousada inteira para o fim de semana e a decorou elegantemente para o rega-bofe. Estimam seus mais afoitos e descarados amigos que o homem tenha gasto uma pequena fortuna para casar a filha.
Falei tudo isso, mas devo dizer que não era nada disso o que eu queria dizer, não era sobre isso que queria falar. Queria dizer que os amigos que foram a mais essa festa de arromba promovida e patrocinada pelo Mesquita tiveram que encontrar hospedaria nas várias propriedades que existem entre as duas lindas praias. Até aí nada de mais, nada digno de nota. E minto. Houve, sim, uma coincidência digna de ressalva a ser comentada.  Vejam os amigos que, por vezes, a vida conspira para nos revelar os segredos mais íntimos e mais recônditos utilizando-se das situações mais inesperadas. Aconteceu o seguinte.
Hospedaram-se, por coincidência, na mesma pousada os queridos Fábio “Meninotti” Motta (http://umhomemdescarrado.blogspot.com.br/2015/10/os-gatos-de-laurinha.html) e “Madame” Serjão (http://umhomemdescarrado.blogspot.com.br/2016/04/madame-serjao.html), ambos acompanhados de suas digníssimas. Não bastasse essa única e feliz coincidência, coincidiu também de os amigos terem escolhido, na pousada, quartos sobrepostos. (Parece que “Madame” Serjão e a esposa ficaram no quarto superior.)
O diabo é que o nosso “Meninotti” tem sido muito cobrado, muito – como direi? – requisitado pelos amigos a que engate um namoro sério com alguma beldade que o faça virar gente. (“Virar gente” era expressão usada por minha avó quando reprovava comportamentos erráticos e repreensíveis.) É verdade que ele se fazia acompanhar desta menina, uma jovem, uma recente ex-adolescente com a qual estava hospedado nas Flecheiras, mas os amigos demandavam uma coisa mais séria, um namoro com futuro para o amigo. Entretanto, temos que reconhecer que é possível que o amigo cinquentão tenha lá sua libido ainda exaltada e firme, esperando uma satisfação e uma resolução como aos tempos do colégio marista, e tenha resolvido continuar a viver essa andrarca persistente e interminável. Enfim, o que se pode fazer quando as coisas existem e não deveriam existir? (Dizia o Casoba que as coisas são como são e não como deveriam ser.)
O fato é que lá estava o nosso “Meninotti” Motta à noite, na pousada, ao lado de sua jovem companhia. Namoravam enrolados nos lençóis e estavam para ir às vias de fato quando começa aquele barulho incômodo e exasperante. Seria alguém a roncar, sim, alguém em profundo sono, entoando um desses roncos que estremecem o ar e tudo o mais em volta, deixando nos que estão alerta a impressão de sufocação e morte iminente do que ronca. Havia também, diria depois o Motta, um silvo, sim, um assobio prolongado e agudíssimo. Seria parte daquela sinfonia absurda, desafinada e ensurdecedora.
De um salto Motta levantou-se e saiu até a varanda, tentando descobrir de onde viria o som. Com efeito, ali, na varanda, o barulho aumentara, era bem audível, quase como se viesse de dentro de seu próprio quarto. Não demorou e concluiu – o ronco vinha do apartamento de cima, do quarto de “Madame” Serjão. Concluiu também sem demora que mulheres não roncam o ronco dos tórax robustos e ressonantes. A conclusão parecia óbvia – Serjão seria o autor único daquele atropelamento de sons guturais.
Quem chegar hoje às Flecheiras e perguntar sobre o episódio, saberá que um tal “Madame” Serjão, certa noite, roncou tanto pela madrugada adentro e sem dar sossego aos hóspedes de certa pousada, e que um tal de “Meninotti” Motta, seu dileto amigo, por isso desistiu de perpetrar o ato a que se propunha então devido ao que chamou de “interferência libidinal irreversível”, uma entidade nosológica a ser ainda descrita, mas que ele jura ter experimentado em sua plenitude como vítima.
Diz ele até hoje que prefere morrer a passar por isso outra vez, tendo recebido de imediato a solidariedade de todos os amigos que lhe ouviram o relato da tragédia.                

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