Contou-me hoje o amado amigo Gaudêncio o seguinte –
na viagem recente que fizeram à Europa, o que o Mesquita mais fez foi dormir.
Ora, não sei se contei aqui que foram à Europa recentemente o Gaudêncio, o
Mesquita, o Joserme, as esposas e os filhos. Foram à Dinamarca e de lá saíram
em cruzeiro pelo Mar Báltico. Foram bater em São Petersburgo.
O detalhe importante e que deve ser realçado é que
há uma diferença de horário impactante: lá são 5 ou 6 horas a mais. Assim, à
medida que o navio se deslocava para o leste, mais dormia o Mesquita. Dormia
tanto que já nem comia, nem bebia, nem ia ao banheiro. Conclui-se que a
diferença no fuso horário estragou a viagem do amigo. As poucas vezes em que
esteve acordado foi quando estavam em terra firme. Aproveitava e fotografava
monumentos históricos e enviava as fotos para nós que aqui ficamos. A viagem
terminou em Amsterdam e foi justamente lá que o homem esteve maiores períodos
em alerta.
Vejam que, nas fotos, não seria possível dizer que
o nosso Mesquita estava a enfrentar esse jet
lag incômodo. O sorriso do homem ia de orelha a orelha e até se permitiu
filmar andando de bicicleta. É bem verdade que isso foi ao início do périplo,
de modo que, ao que parece, a coisa evoluiu à medida que passava a excitação do
voo. Após quase 15 dias de viagem, o homem se deixou fotografar numa loja
amsterdamesa onde se vendem derivados da Cannabis
sativa. E mais – segurava alguns de seus produtos e escrevia para nós, na
rede social: “vou levar umas mudinhas para plantar”. Pelo sim, pelo não, alguém
mais lúcido lembrou-se de lhe avisar que seria preso no aeroporto se assim o
fizesse. Usava então um par de óculos escuros, desses que fazem seu usuário se
passar por um gangster crudelíssimo, daqueles que trucidam criancinhas indefesas.
Ou isso ou o Mesquita estaria já sob o efeito do tetrahidrocanabinol, que Deus
o livre. Enfim, lá, em Amsterdam, última parada antes do retorno, o amigo
parecia todo animado. Mas já era tarde demais para tanto ânimo e em seguida se
viu novamente no avião de volta para casa.
Fiquei a matutar nas razões pelas quais o jet lag atingiu o Mesquita, e somente o
Mesquita, ninguém mais além do Mesquita. Sabem aqueles que o conhecem que o
homem dorme antes das galinhas. Sim, o Mesquita, salvo exceções incomuns, chega
à casa por volta de seis ou sete da noite, come 2 quilos de janta, deita-se não
sem antes desligar o telefone portátil, e dali a um minuto está a dormir mais
do que gato de hotel de beira de estrada. Há, nessa queda vertiginosa ao sono
dos justos, um outro detalhe digno de nota e bastante oportuno de ser lembrado
– o Mesquita ronca o ronco dos asfixiados. Outro dia relatei aqui a frustração
de meu amigo Meninotti Motta causada pelo estrondoso ronco de outro amigo, o
Madame Serjão. (http://umhomemdescarrado.blogspot.com.br/2016/07/o-ronco-que-assassinou-libido_13.html)
Pois bem. O ronco de Madame Serjão é para mim ainda uma incógnita, ao passo que
o do Mesquita já escurei pessoalmente. Dele posso falar.
Disse o Meninotti, em dramático relato, que o ronco
de Madame é semelhante ao pródromo de um tsunami. As aves que dormiam às
árvores da pousada imediatamente alçaram voo tal como se a onda gigante
estivesse próxima, e os ventos balouçaram a copa das plantas do jardim chegando
quase a arrancar-lhes do solo pela raiz.
Posso então garantir – o ronco do Mesquita é pior,
bem pior. O do Mesquita é o som do tsunami misturado e adicionado ao do
terremoto que a gerou a 2 mil quilômetros de distância e a 6 mil metros de profundidade.
Por aí se vê quão profundamente dorme o Mesquita – o sujeito que ronca um ronco
desses há de dormir nas profundezas da inconsciência, a um passo da inconsciência
da morte. Caso contrário, seria despertado pelos próprios ensurdecedores
estertores. Suponho, portanto, que era assim que dormia o Mesquita em sua
cabine no navio que singrava as águas bálticas do mar gelado.
E, a propósito, o frio havia de ser um detalhe a
mais para essa preguiça que desafiava a claridade pálida e fosca da luz dos
confins nórdicos do planeta. Se aqui o homem dorme às 8 da noite, é como se lá viesse
o sono à uma ou duas da tarde. Dentro de sua espartana disciplina, ele acorda
às 5 da manhã para ir surfar, um hábito de décadas, desde a adolescência. Ou
seja, lá seriam 11 da manhã quando o sono do homem acabava.
Não se sabe até agora se o Mesquita é de enjoar a
bordo de barcos, mas, ao que tudo indica, o enorme transatlântico mais lhe
parecia uma rede feita no Ceará, o que só contribuía para lhe aprofundar ainda
mais o sono e, consequentemente, lhe levar a produzir os sons mais inimagináveis
em seus grunhidos cacofônicos. A conclusão a que cheguei foi a de que o
Mesquita não tem mais idade para viagens a lugares muito a leste, sob pena de
trocar o dia pela noite. Estou a ponto de conversar com o amigo Gaudêncio,
nosso competentíssimo agente de viagens, a fim de tentar convencê-lo a que não
permita ao Mesquita viajar para distâncias além do meridiano 20° leste. A fisiologia
do sono de nosso amigo anda cada vez mais frágil e mais refratária a adaptar-se
ao tempo, ao fuso. Suas viagens nessas circunstâncias estarão fadadas à troca
do dia pela noite e, quiçá, à percepção, por parte de seu organismo, de que a
vida é uma noite eterna, levando-o a dormir e perder os maiores encantos e
atrações.
Ainda aguardo de meu amigo Gaudêncio o relato
detalhado da hipersonia do Mesquita. É possível até que o homem tenha ficado
famoso entre os passageiros do cruzeiro. Afinal, uma roncaria como a dele é
audível num raio de cem metros. Não sei como dona Rejane aguenta!
Nenhum comentário:
Postar um comentário