Esse negócio de rede social aproximou demais as pessoas. Não, não.
Esse negócio de rede social aproximou pessoas demais. Sim, pessoas em número
excessivo interagem simultaneamente. Imaginem aí cem, cento e vinte pessoas
conversando ao mesmo tempo ou quase isso. Isso não seria o pior. Como se
administram tantas vontades? tantas ânsias? tantas carências? Não há de ser
fácil, por óbvio. Dirá alguém que a arte da interação é o uso da dialética, do
contraditório, da tolerância. Tudo bem, tudo certo. Falar é fácil, fazer é que
são elas, diria minha avó.
Pois a moda em
voga é a criação, na rede social, desses grupos. E para tudo se criam grupos. É
o grupo dos amigos de trinta anos, dos amigos de quarenta anos; dos amigos que
se conheceram no berçário, dos que se conheceram no bar da esquina, e por aí
vai. Falo tudo isso e assumo – eu mesmo já criei grupos. Devo dizer que foram
grupos mixurucas, pequeninos, três, quatro, cinco pessoas. Quase não se
interage, quase não se fala no grupo. Chego a pensar: – para que diachos existe
tal grupo? E não acho a resposta. Mesmo eu me presto, às vezes, ao efeito
manada.
Contudo, sei de
grupos enormes, acima de cem pessoas. As notícias que tenho do grupo são as
mais variadas. Soube de intrigas, de querelas, de arranca-rabos. Depois, ao que
consta, veio uma calmaria, uma espécie de hangover,
como se todos houvessem se cansado de tantos debates e de tantos embates. Enfim,
veio a prova de que Rousseau, ou o Rubem Alves, ou o Rubem Braga, estava
absolutamente certo – o homem, sozinho, é essencialmente bom. O ajuntamento de
homens o corrompe e o degrada. Eis tudo aí.
Eu não sei por que
falei tudo isso. Há de ter sido um desses atos falhos que diariamente nos
assaltam. (O melhor do ato falho é a ausência de culpa.) Queria mesmo era falar
do carioca que conheci em Florianópolis, sim, o carioca que se tornou
manezinho. Sobre ele, foi o seguinte.
Parado em seu carro
em monstruoso engarrafamento na Avenida Brasil, sentiu uma opressão no peito. Não
era dor física, nem o aperto da angina. Era uma emoção, uma emoção negativa. E era
tão negativa que a ela seguiu-se a diaforese. A gravata o sufocava, o colarinho
parecia uma argola que se lhe fechava em torno do pescoço. Tinha medo, um medo
incontrolável e incoercível. Sacou do telefone portátil e ligou para o cliente
que lhe esperava no fórum, para a audiência. Disse-lhe que não poderia ir, que
enviaria alguém para substituí-lo.
Já em casa, chama a mulher. Dá o ultimato: –“Não quero
mais viver nessa cidade”. A mulher ouvia sem dar importância. Continuou: –“Escolhe
aí outro lugar pra viver; aqui não fico mais”... A mulher argumentou
lembrando-lhe os filhos, que estavam para entrar na faculdade. Ele refletiu
alguns segundos e assentiu: –“Está bem. Espero no máximo 2 anos. Depois disso,
vamos embora”.
Dois anos depois,
após lembrá-la do acerto feito, a mulher vacila. E meus pais? Vou embora assim?
Deixando papai e mamãe no inferno desse Rio de Janeiro? Ele, que ia lhe
perguntar se era casada com ele ou com os pais, recua e, sem hesitar, avisa: –“Estou
partindo”. E, assim, o encontramos em Florianópolis, dirigindo seu carro para fazer
um caixa extra, esse negócio da Uber, a empresa americana. Tem uma banca de
advogado com um sócio, mas complementa o orçamento com essa atividade. No meio
da corrida – íamos à praia da Joaquina – liga um cliente. (De fato, era uma
cliente.) Atende. Ela quer saber de um processo. Ele explica que já saiu o
mandato de prisão contra alguém e a tranquiliza. Combinam de falar depois, e
ele promete mantê-la informada. Ela se despede com gratidão: –“Muito obrigada,
doutor Martins”!
Ao longo de todo o percurso, o novo manezinho fala
da cidade, de seu novo lar, da nova namorada, do divórcio, dos filhos já
formados, dos concursos, dos salários na cidade... Acima de tudo, demonstra
estar tranquilo, vivendo em paz. Afinal, ser manezinho é como habitar o oásis da
violência grassante por todo o país. É tão desprendido que ousa parar seu carro
no Mirante Morro da Lagoa para tirar fotos de seus clientes cearenses, algo que
não está incluído no serviço que nos presta. Ao final, deu-me um cartão de
visita; não o cartão do motorista que dirige Uber, mas o do causídico atuante
no interesse de seus clientes.
Ia esquecendo. O dinheiro
extra se presta à realização de um sonho. Estão de passagens compradas, a
namorada e ele, para Portugal em janeiro do ano que vem. Precisa juntar sete
mil euros para trazer uma quantidade de vinhos que irá guarnecer a adega que
construiu em sua nova casa. Já dispõe de pouco mais da metade. Não se
envergonha do trabalho que faz. Vergonhoso é parasitar, furtar, roubar,
enganar, e permitir que a vaidade suba à cabeça – coisa produzida pelo efeito
manada, pela pose que alguns têm em alguns lugares do país.
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