Não se pode
viver sem riscos. Em tudo há risco. Nada há nesta vida que não implique n’algum
risco. Só não há o risco de morrer: a morte é certa. Não é um risco de quem
vive: é a única certeza. O resto, todo o resto, é um risco. Em tudo há risco,
repito.
Um amigo, que reclamava até da nuvem sobre sua cabeça, não queria mais nada em
sua vida que implicasse algum risco. Em verdade, não queria nenhum risco. Eu
lhe disse que não era possível; que escolhesse coisas de menor risco; que seria
até possível aferir os riscos de cada projeto, mas não havia como evitá-los
completamente. Ele se convenceu quando lhe disse que as seguradoras vivem do
dinheiro que ganham assumindo os riscos alheios. Você as paga e elas assumem os
riscos que você tem de ter prejuízos ou perder um bem num sinistro. Se o evento
indesejado vier a ocorrer, elas te reembolsam. Deve ser um bom negócio, visto
que elas crescem cada vez mais. E, se crescem, é porque o dinheiro que entra em
seus contratos de risco é maior
do que o que sai com o pagamento do prejuízo dos clientes. Conclusão: o risco é
só um risco. O risco não é um fato líquido e certo, como a morte. Ele é apenas
uma possibilidade, e, portanto, só ocorre eventualmente. Na maioria das vezes
nada ocorre. Por isso as seguradoras enchem os bolsos de dinheiro.
Ele passou, então, a especular sobre os riscos de cada coisa em particular. Antes ,
contudo, alertei-lhe que às vezes corremos o risco de que também coisas boas
aconteçam; que o evento fortuito pode ser uma coisa esplendorosa, tremenda. Um
exemplo: se jogar toda semana na loteria esportiva – sou do tempo da loteria
esportiva – corro o risco de ficar rico. É óbvio que também corro o risco de
perder todo o meu dinheiro jogando, o que é muitíssimo pouco provável se jogar
apenas um único e mísero real por semana. Ele, que estava mais preocupado em problemas advindos
dos maus riscos – os maus riscos são os riscos em que o evento fortuito é ruim
ou indesejável – enumerou duas coisas que evitaria doravante: casamento e
filhos. Sobre o casamento alegou que corria o risco de levar chifres ou de sua
mulher lhe tomar o que tinha. Sobre ter filhos me saiu com esta: custam muito
caro e não dão retorno. Sobre o matrimônio argumentei que diminuiria bastante
os riscos se procurasse a companheira ideal, financeiramente independente e de
reputação ilibada. Ele contra-argumentou que as mulheres financeiramente
independentes não iriam casar com um borra-botas como ele, e que as de
reputação ilibada seriam como rede preta: inexistentes. Disse-lhe que os filhos
lhe dariam muito prazer e que seriam a ponte para transcender a vida. Disse
ele, então, que preferia ter outros prazeres com as mulheres e que não tinha
interesse em transcender, pois não estaria lá em corpo físico para ver.
Lembrei-lhe que, com a vida devassa que levaria, correria o risco de
adquirir doenças e morrer mais cedo. Ele replicou que não tinha medo de correr
esse risco, desde que a morte fosse confortável e rápida. E a conversa foi,
foi, foi... e não teve mais fim.
Como vêem, cada um escolhe os riscos que quiser. Foi muito bom porque fizemos
um exercício de pensar mais objetivamente nas coisas. Na maior parte das vezes
não agimos assim. Não nos damos ao trabalho de pensar nos riscos que corremos,
os bons e os maus. Às vezes, o risco de bom
êxito é até maior que o de mau, mas recuamos porque focamos no último. Só
olhamos para o medo de perder. E esquecemos que podemos ganhar. Isso mostra que
os seres humanos são basicamente negativos. E por isso muitos não acreditam em
si mesmos. Quando amealhamos o pouco, não acreditamos que possamos ir além e
abdicamos do muito. Quando nossos projetos se mostraram inadequados para nossa
realização pessoal, perdemos a autoconfiança e a auto-estima. Ficamos congelados
e aterrorizados. Morremos em vida. Dizemos-nos velhos, ou cansados, ou
decepcionados, e nos apegamos com unhas e dentes ao status que
eventualmente tenhamos. E ficamos unicamente com ele, nosso status.
Nesse momento esquecemo-nos de fazer a pergunta principal: qual o risco de me
prender a esse status? E eu lhes responderei: o risco de perder a
capacidade de aprender. Quando se perde a capacidade de aprender, acaba a vida.
O tempo que nos resta será usado para relembrar quem já fomos, o que já fizemos,
quão bons fomos um dia. Seremos velhacos. O status será tudo que nos
resta. Paramos e ficamos a olhar para trás, enquanto a estrada se perde no
horizonte à nossa frente. Esse é um risco que não devemos correr. Seremos
zumbis a vaguear pelo mundo, desprezados pelos que pulsam de tanta vida.
Fernando Cavalcanti, 06.12.2007
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