O meu querido amigo Luís Júnior tem uma maneira peculiar de resolver certos, digamos, incômodos. O leitor desde já fique ciente de uma característica de meu amigo que lhe serve como uma marca de vaca de pasto, uma idiossincrasia, um código de barras: o homem torce pelo Fortaleza. Dizendo assim parece que estou a usar de um estilo caricatural, mas, garanto, não é o caso.
Alguém que o conheça dirá que ele é "doente" pelo Fortaleza, e direi que é pouco, muito pouco. Basta que apreciemos o que ele faz quando perde o Fortaleza para o Ceará. O Fortaleza pode perder para o Icasa, para o Ferrim, para o Maranguape, e para quem quer que seja; mas não pode perder para o Ceará, seu arqui-rival. Perder para o inimigo número um leva meu Luís Júnior a sofrer de agonias, cólicas e anginas excruciantes e cruéis. Tamanho sofrimento físico, moral e espiritual seria impossível de se suportar sem a ajuda de medida radical e drástica. Assim, que faz o Luís Junior? Resposta: vai para Miami no primeiro avião que parta após a derrota, e por lá fica até que passe a euforia dos torcedores rivais. Em agindo dessa forma evita as pilhérias, as gozações e as picardias inevitáveis e inexoráveis.
Aos amigos mais chegados confessa: -"Adoro Miami!" Até aí nada de mais. O que não consegue explicar é a coincidência que há entre as derrotas de seu amantíssimo clube para o Ceará e sua já previsível partida.
Não sei se por uma dessas combinações perfeitas que o destino por vezes reserva ou se por outra razão qualquer, meu querido Luís Júnior, já homem maduro quase podre, resolveu cursar Direito numa dessas inúmeras faculdades que existem hoje, onde conheceu e se tornou unha e carne de meu outro amigo Evandro Leitão, nada mais nada menos que o atual presidente do Ceará Sporting Clube. É verdade que à época, ao que me conste, Evandro nem sonhava em vir a ser o comandante supremo do clube que tanto ama. A propósito, é necessário deixar claríssimo como água que Evandro sente pelo Ceará o mesmo que Luís sente pelo Fortaleza, com uma diferença: se o Fortaleza surrar o Ceará, ele aqui permanece estoicamente e serenamente.
Vê-se, com toda essa lengalenga, que pessoas diferentes tomam atitudes diferentes frente a semelhantes situações. Nada mais natural, nada mais democrático, desde que preservadas a lei, a moral, o respeito voltairiano ao outro e a boa ética. Nunca, em nenhum momento, Luís e Evandro deixaram de ser os bons amigos que sempre foram desde o curso de Direito.
Mas agora me pergunto o porquê de eu ter feito toda essa introdução. Ah, lembrei! Ontem ao sair do Instituto Dr. José Frota desejei ardentemente ir direto para o aeroporto, comprar uma passagem e fugir desse lugar. Não nutro nenhuma obsessão por algum destino específico como o meu amigo Luís Júnior, de modo que iria até pro Xapuri se me fosse o único destino possível. O leitor a essas alturas estará impaciente em saber que razão me deu o torporoso hospital para que ansiasse a fuga desesperada. Dir-lhes-ei.
Fui vítima, no hospital, do que Nelson Rodrigues chamava de "Poder Jovem". Um fedelho de 14 anos de idade ocupava ontem, quando o vi pela primeira vez, um leito da unidade 18 daquela casa de saúde, acompanhado por sua mãe. Fora atingido por tiros nos membros inferiores e tivera lesões ósseas e arteriais. Havia duas versões para a história de seu trauma (os tiros). A primeira dava conta de que ele se metera a assaltar um cidadão que, por uma infeliz coincidência, era policial vestido à paisana e que respondeu a tiros ao anúncio do assalto. A segunda dizia que ele e sua gangue entraram em confronto direto com outra gangue do bairro, e no tal confronto se deu mal.
Examinei-o e constatei: seu pé direito estava em processo de gangrena. Os médicos da emergência já o haviam operado e relatado por escrito em seu prontuário a gravidade do caso e a provável necessidade de amputação. Assim, fui direto e disse à mãe: -"Não é nada boa a situação do pé." E completei: -"Talvez ele o perca."
Teve início nesse momento um escândalo de proporções dantescas. O "garoto", um latagão, gritava e chorava alto com sua já máscula e grave voz, enquanto a mãe se descabelava e uivava, também chorando e dizendo: -"Ele é 'de menor'! Ele é 'de menor'!", como se sua menoridade fosse frustrar o êxito inexorável e trágico, consequência de seus atos ilícitos e criminosos. E me acusavam aos gritos e impropérios, ele decretando que eu não devia ter dito tal coisa na frente de sua mãe: -"Ela vai adoecer! Ela vai adoecer! Diz isso não, 'cara'! Diz isso não, 'cara'!"; ela se esgoelando: -"Diz isso pra ele ouvir, não! Diz isso pra ele ouvir, não! Ele é 'de menor'!" E, disseram-me depois os colegas da enfermagem, quando saí, em minha ausência, que ele me ameaçou.
Veja o leitor onde chegou o que nossa sociedade produz. Não existe o crime, existe exclusivamente o menor. Não há crime em seus atos, existe apenas e simplesmente sua menoridade. Um cadáver eventual produzido por um menor descaradamente não existe, como o da bela Marcela Montenegro, morta(?) a tiros por menores ou com a colaboração engenhosa deles. E já nem sei se está mesmo morta. Um menor nunca mata, não há crime possível entre eles. Definitivamente os idiotas tomaram conta de tudo.
Cabe, então, a pergunta final: a quem denuncio um criminoso que me ameaça e que se esconde detrás de sua menoridade?
questão difícil, já se tornou banal!
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