Pode ser que haja um imbecil aos 70, mas não aos 90. Diga- se de passagem, cresce a população de imbecis aos 70. Vejam, por exemplo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Faz 69 este ano. É um apedeuta, e não somente um apedeuta: - é um imbecil de carteirinha.
Dizia o Nelson que antigamente os idiotas se sabiam idiotas e se recolhiam à sua insignificância. Perguntava o Nelson: -"Que faziam os idiotas de antigamente?" E ele mesmo respondia: -"Faziam filhos". Hoje que fazem os idiotas? Talvez o Nelson dissesse: -"Faz sucessores". E estaria certo mais uma vez. Basta ouvir um improviso de nossa excelentíssima Presidente da República, Dilma Rousseff. Fará em dezembro 68 anos de idade.
Mas, como eu dizia, não há idiota, ou imbecil, aos 90. Perdoemos o Niemeyer que seu apego ao Fidel e ao Stalin foi um desses sentimentos inamovíveis à certa altura da vida. Não pega bem o sujeito admitir o erro em idade tão avançada.
Não é todo dia que se conhece alguém de 90 ou mais. Conheci alguns pessoalmente e garanto – são todos, sem exceção, pessoas notáveis. Sua característica mais marcante é a tranqüilidade e a paz que exalam. Nada temem. O tempo não mais lhes assusta, nem mais lhe apavora. São senhores do tempo. Sabem que o enganaram por toda a vida e estão calmos pela inexorabilidade do destino.
Deliciam-se ao encontrar um tolo como eu, que tudo pergunta e tudo quer saber. Mostram-me fotografias, comendas, títulos, diplomas, certidões, reconhecimentos... Falam do Liceu, do francês, do latim, dos golpes de Estado, da morte dos amigos e dos parentes... Tudo assemelha-se a uma aventura que viveram, a aventura de suas vidas.
A primeira pessoa assim que conheci foi minha bisavó materna. Eu tinha lá meus 24 e já era pai de duas lindas crianças, seus tataranetos. Minha mãe cedo foi órfã de pai e sua família dela se distanciou. Eis que, certo dia, ela me liga e me convida a ir justamente à casa de minha bisavó, que sequer eu supunha ainda viver. Era seu aniversário, seus 95 ou 96 anos.
Sepultara 15 filhos e dois maridos. O primeiro marido, pai de minha mãe, morrera cedo, aos 39, de tuberculose. Era nas primeiras décadas do século XX e ela trabalhava, junto a um único funcionário, no cartório que lhe pertencia. Morto o marido, virou-se ao funcionário e disse-lhe que, se fosse seu desejo continuar trabalhando ali, seria melhor e necessário que a desposasse porque, do contrário, ficaria “falada”. O homem não queria perder o emprego, nem ela queria ficar “falada”. Assim, casaram-se.
Ela era, definitivamente, uma mulher firme e lúcida. Disse-me, quando lhe perguntei sobre a vida: -“Estou cansada de viver, meu filho. Todos os dias vejo o sol nascer e se pôr e me pergunto quando partirei, se verei o fim do dia.” Eu quis saber por que e ela me explicou: -“Não conheço ninguém. Todos que conhecia morreram. Ninguém quer conhecer ou conversar com uma velha como eu. Além disso, que assunto poderia ter com alguém mais jovem? Estou muito cansada...” Dali a poucos meses ela escorregou, caiu, quebrou um osso da perna e morreu de pneumonia.
Sobre muitas outras coisas falamos. Ela me causou uma impressão indelével e até hoje me pergunto por que não me levaram antes a conhecê-la. Ela era uma fonte inesgotável de sabedoria e experiências, pelo que pude avaliar, e eu me sentia um tolo ali, perto dela. Contudo, também sentia uma vontade insaciável de lhe inquirir, de lhe ouvir fatos da vida, saber de seus momentos distantes no passado... O pouco que me relatou só foi possível por breve período. Afinal, era seu aniversário e outras pessoas iam e vinham.
Eu fui o culpado. Aos 24 o que somos? Idiotas, eis a verdade. Eu era um dos idiotas do Nelson. Nesta fase da vida estamos mais interessados em enaltecer nossa vaidade pessoal e exercitar nosso impulso sexual. Pensamos em coisas menores e estamos empenhados em construir uma “carreira”. Eu não teria achado um dia sequer para ir vê-la, como de fato não achei. Tive alguns meses de prazo e ponto final – ela encontrou o seu tão desejado repouso. Direi sem meias verdades: - dadas as circunstâncias, eu não teria tempo para ela, de fato. Um idiota não enxerga um palmo à frente do nariz.
Poderia ter escrito muitas histórias sobre ela e sua rica vida, se fosse minimamente sensato, o que é virtualmente inviável aos 24. Em vez disso, eu estava ocupado com minha própria vida. Poderia ter-lhe dado a mão numa viagem a seu passado e com isso lhe proporcionar emoções revisitadas e revividas. Mas não... Não é isso o que nos ensinam? que sejamos idiotas? Não é isso que querem que façamos?
Por alguns dias estaríamos juntos numa experiência inigualável e inesquecível, para ela e para mim. Através dela teria conhecido meu avô paterno, fatos de sua vida, quem era ele, o que fazia... Mas, não. Estava envolvido demais com as minhas tolices, pensando no futuro, pensando em mim...
Eu poderia tê-la amado com todas as minhas forças, com todo o meu afeto, com todo o meu ser, a beber dela o néctar que acalma os bebês de leite. É o que eu era diante dela – um bebê de leite. Não o fiz. Deixei passar. Mas não esqueci – adiantaria defender-me alegando uma precoce e suspeita falha de memória? Nunca me esqueço de minhas insensatezes e falhas imperdoáveis, embora me as perdoe para seguir vivendo. Como poderia seguir se não o fizesse?
O que me esmaga é o arrependimento. Como sofro todas as vezes que me arrependo, essas lembranças enfronharam-se em torno de mim como os mosquitos hamatófagos que me não deixam em paz na madrugada. E sofrer não é definitivamente a minha sina. Mas continuo sendo o imbecil que erra como qualquer ser humano.
Perdoa-me, 'vó, minha desleixada e inconsequente sombra em tua vida. Dorme em paz...
Fernando Cavalcanti, 25.03.2011
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